Eu estava no funeral do meu próprio filho.
Ele nunca viu a luz do dia, nunca respirou.
O pequeno caixão branco parecia mais uma caixa de sapatos.
O padre murmurava palavras que eu não conseguia ouvir, o som abafado pelo zumbido nos meus ouvidos.
O meu marido, Pedro, estava ao meu lado, mas a sua mão não estava na minha.
Ele segurava o braço da minha meia-irmã, Sofia, que chorava histericamente no seu ombro.
"Oh, meu pobre sobrinho! Meu anjinho!"
A sua dor parecia maior que a minha.
Eu não derramei uma lágrima, apenas senti um vazio gelado no meu peito.
Pedro olhou para mim, a sua expressão era uma mistura de irritação e pena.
"Ana, pelo menos tenta parecer triste. As pessoas estão a olhar."
Eu olhei para ele, depois para Sofia, e finalmente para o pequeno caixão branco.
O meu filho estava morto por causa deles.
Uma semana antes, eu estava grávida de oito meses.
Era o nosso aniversário de casamento, Pedro prometeu-me um jantar especial.
Eu esperei por ele, a mesa posta, a comida a arrefecer.
Ele nunca apareceu.
Liguei-lhe dezenas de vezes, mas ele não atendeu.
Por volta da meia-noite, recebi uma chamada de um número desconhecido.
Era um polícia.
"A senhora é Ana, esposa de Pedro?"
"Sim, sou eu. Aconteceu alguma coisa?"
"O seu marido sofreu um acidente de carro. Ele está bem, mas a passageira ficou gravemente ferida. Estamos no Hospital da Luz."
O meu coração parou.
Corri para o hospital, a minha barriga pesada a dificultar cada passo.
Encontrei Pedro no corredor, sem um arranhão.
Mas ele não estava sozinho.
A minha madrasta, Clara, e a minha meia-irmã, Sofia, estavam com ele.
Sofia estava numa maca, a perna engessada, a cara pálida.
Quando Pedro me viu, a sua cara não mostrava alívio, mas sim aborrecimento.
"O que estás a fazer aqui? Eu disse que estava bem."
"Quem era a passageira?"
A minha voz tremia.
Sofia começou a chorar.
"Ana, não culpes o Pedro. A culpa foi minha. Eu senti-me mal e pedi-lhe para me levar a casa... o carro derrapou na estrada molhada."
A minha madrasta, Clara, abraçou-a protetoramente.
"A minha pobre menina! Tão frágil. Pedro, obrigada por cuidares dela. Se não fosses tu, nem sei o que teria acontecido."
Pedro colocou a mão no ombro de Sofia.
"Não te preocupes, Sofia. Eu estou aqui."
Eles pareciam a família perfeita.
Eu era a intrusa.
Naquele momento, uma dor aguda atravessou o meu ventre.
Eu agarrei-me à barriga, ofegante.
"Pedro... o bebé..."
Ele olhou para mim, a sua impaciência era óbvia.
"Não comeces com dramas agora, Ana. A Sofia precisa de mim."
A dor intensificou-se, e eu senti um líquido quente a escorrer pelas minhas pernas.
Sangue.
Eu caí de joelhos.
O mundo ficou escuro.