O meu nome é Sofia. Hoje, eu deveria estar a escolher um nome para o meu filho. Em vez disso, escolhi um para o meu túmulo.
A certidão de óbito do meu filho recém-nascido estava na minha mão, fria e pesada.
O médico disse que foi asfixia neonatal.
Mas eu sabia a verdade. Foi o meu marido, Pedro, que o matou.
Ele não o sufocou com as mãos, mas com a sua indiferença.
O meu telemóvel estava na mesa de cabeceira, com o ecrã estilhaçado. Mostrava 18 chamadas não atendidas para ele, todas feitas enquanto eu lutava para respirar, presa nos destroços do metro.
A notícia na televisão do hospital falava da tragédia. Um deslizamento de terra causado por chuvas torrenciais engoliu uma carruagem do metro. Eu estava lá.
"Pedro, onde estás? A minha água rebentou... estou presa..."
"Pedro, ajuda-me, não consigo respirar..."
"Pedro, o bebé..."
As minhas mensagens não foram entregues. As minhas chamadas, ignoradas.
Quando finalmente consegui ligar-lhe, horas depois, a sua voz estava cheia de irritação.
"O que foi agora, Sofia? Estou ocupado."
A sua voz era distante. No fundo, ouvi a voz suave de Clara, a minha cunhada.
"Pedro, obrigada por teres vindo tão depressa. Fiquei tão assustada. O Trovão também não para de tremer."
Trovão era o cão dela.
Eu estava presa debaixo de metal retorcido, e o meu marido estava a consolar a sua irmã e o cão dela, que estavam seguros em casa, a quilómetros do desastre.
"Pedro," a minha voz era um sussurro rouco. "O nosso filho... morreu."
Silêncio. Um silêncio longo e pesado.
Depois, a sua voz explodiu, cheia de uma raiva que não compreendi.
"Morreu? Como assim, morreu? Sofia, que raio estás a dizer? Estás a culpar-me? Eu não podia estar em dois sítios ao mesmo tempo!"
"A Clara estava a ter um ataque de pânico! A vida dela estava em perigo! Tu estavas apenas presa no metro, havia equipas de resgate a caminho!"
A vida dela estava em perigo por causa de um ataque de pânico.
Eu estava a perder o meu filho.
"Vamos divorciar-nos, Pedro."
Disse as palavras com uma calma que me assustou.
"Divórcio? Ficaste louca? Depois de tudo o que passámos? Estás a usar a morte do nosso filho para me manipular? És doente, Sofia. Doente."
Ele desligou.
Tentei ligar de volta. O meu número estava bloqueado.
Claro que estava.
Olhei para a minha barriga vazia. A dor física era nada comparada com o vazio que me consumia.
O meu filho. O meu bebé.
Tínhamos tentado durante três anos. Três anos de tratamentos, esperanças e desilusões. Quando finalmente aconteceu, o Pedro parecia feliz. Pelo menos, eu pensava que sim.
Agora, questionava tudo.
O telemóvel da minha mãe, que estava a dormir na cadeira ao meu lado, começou a tocar. O nome no ecrã era "Ricardo", o meu sogro.
A minha mãe mexeu-se, mas não acordou. Atendi a chamada.
A voz de Ricardo era um trovão.
"Marta! Que raio de filha é que criaste? Ligar ao meu filho a culpá-lo pela morte do bebé? A ameaçá-lo com o divórcio? Ela não tem coração?"
Ele não parou para respirar.
"A Clara é frágil, ela podia ter morrido! O Pedro fez a escolha certa, salvou a sua irmã! A Sofia tem de aprender a ser menos egoísta. Ela não é a única pessoa no mundo que sofre!"
Egoísta.
Eu, que perdi o meu filho, era a egoísta.
Não respondi. Apenas desliguei o telemóvel e coloquei-o de volta na mesa, silenciosamente.
A minha mãe abriu os olhos, o rosto pálido e cansado.
"Era o Ricardo?"
Eu assenti.
"O que é que ele queria?"
"Nada. Apenas a dar os parabéns."
A minha voz era desprovida de qualquer emoção. Virei-me para a janela, olhando para a cidade molhada pela chuva.
Eu não tinha mais lágrimas. Apenas uma decisão.
Eles mataram o meu filho. Agora, eu ia destruir a família deles.