Dois dias depois, saí do hospital.
A minha mãe, Marta, segurava o meu braço com força, como se eu fosse partir-me em mil pedaços.
O nosso apartamento estava silencioso e frio. As coisas de bebé que tínhamos comprado com tanta alegria estavam por todo o lado. O berço montado no canto. As pequenas roupas dobradas.
Cada objeto era uma facada no meu peito.
"Vou deitar isto tudo fora," disse a minha mãe, com a voz embargada.
"Não," respondi, a minha voz firme. "Deixa ficar. Eu preciso de me lembrar."
Pedro não apareceu. Não ligou.
Era como se eu e o nosso filho morto nunca tivéssemos existido.
Em vez disso, recebi uma mensagem de Clara.
"Sofia, sei que estás a passar por um momento difícil, mas não podes culpar o Pedro. Ele ama-te. Mas a família vem sempre em primeiro lugar. Eu sou a irmã dele. Espero que entendas."
Entender.
Peguei no meu computador portátil. As minhas mãos tremiam, mas a minha mente estava clara.
Pedro e eu tínhamos uma conta poupança conjunta. Era para o futuro do nosso filho.
Agora, tinha um novo propósito.
Transferi cada cêntimo para a minha conta pessoal. Não era muito, mas era o suficiente para começar.
Depois, comecei a procurar advogados. Precisava do melhor. Alguém implacável.
O meu telemóvel tocou. Era um número desconhecido.
Atendi.
"Sofia? Sou eu, o João. O amigo do Pedro da universidade."
A voz dele era hesitante.
"Lamento muito pelo que aconteceu. Não consigo imaginar a tua dor."
"Obrigada, João."
"Olha, eu não devia estar a dizer-te isto... mas o Pedro... ele não está bem. Ele está a dizer coisas estranhas."
Fiquei em silêncio, à espera.
"Ele continua a dizer que se livrou de um problema. Que agora pode finalmente ser feliz."
O meu sangue gelou.
"O que mais é que ele disse?"
"Ele... ele mencionou a Clara. Disse que agora nada os pode impedir."
Fechei os olhos. A verdade era mais feia do que eu imaginava.
Não se tratava apenas de negligência. Era um plano.
"Obrigada por me dizeres, João. Agradeço a tua honestidade."
Desliguei e respirei fundo.
A dor transformou-se em gelo nas minhas veias.
Abri o guarda-roupa do Pedro. As suas roupas caras, os seus sapatos polidos.
Comecei a empacotar tudo em sacos do lixo. Metodicamente. Sem pressa.
Cada camisa, cada par de calças.
Quando terminei, a minha mãe estava a olhar para mim da porta, com os olhos arregalados.
"O que estás a fazer, filha?"
"A limpar o lixo."
Levei os sacos para a rua e deixei-os ao lado do contentor.
Voltei para dentro e enviei uma mensagem a Pedro.
"As tuas coisas estão no lixo. Tal como tu."
A resposta foi quase imediata. Uma chamada.
Atendi e coloquei em altifalante.
"ESTÁS LOUCA? AS MINHAS ROUPAS! OS MEUS FATOS! SABES QUANTO CUSTA AQUILO?"
A voz dele estava distorcida pela raiva.
"Menos do que a vida do meu filho," respondi calmamente.
"Tu vais pagar por isto, Sofia! Juro por Deus, vais arrepender-te!"
"Não, Pedro. Quem se vai arrepender és tu."
Desliguei.
A minha mãe aproximou-se e abraçou-me.
"Estou aqui contigo," sussurrou ela. "Vamos passar por isto juntas."
Eu sabia que sim. Mas não íamos apenas "passar por isto".
Íamos lutar.