Quando a Dor Vira Arma
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Capítulo 3

A primeira reunião com a advogada, a Dra. Campos, foi num escritório moderno no centro da cidade.

Ela era uma mulher de meia-idade, com um olhar penetrante e um aperto de mão firme.

"Conte-me tudo, Sra. Almeida. Sem omitir detalhes."

Contei-lhe. A tempestade, o metro, as 18 chamadas não atendidas. A conversa com Pedro, a indiferença dele. A chamada do meu sogro. A mensagem de Clara. A confissão de João.

A Dra. Campos ouviu em silêncio, tomando notas. O seu rosto não mostrava qualquer emoção.

Quando terminei, ela encostou-se na cadeira.

"Isto não é um divórcio simples, Sra. Almeida. Isto é uma guerra."

"Eu sei," respondi. "E estou pronta para lutar."

"O seu marido e a família dele cometeram um erro crasso. Subestimaram-na. Acharam que a dor a iria paralisar."

Ela olhou diretamente para mim.

"Vamos usar isso contra eles. A sua dor não é a sua fraqueza. É a sua arma."

Saí do escritório dela a sentir-me mais forte do que em dias.

Quando cheguei a casa, havia uma carta à minha espera. Tinha o logótipo da empresa de Pedro.

Abri-a. Era uma notificação formal.

O meu seguro de saúde, que estava ligado ao emprego dele, tinha sido cancelado.

O motivo indicado: "Alteração do estado civil".

Ainda nem sequer tínhamos iniciado o processo de divórcio.

Ele estava a tentar cortar-me os recursos. Deixar-me vulnerável.

Ri. Um som seco, sem alegria.

Que amador.

Liguei imediatamente à Dra. Campos.

"Eles cancelaram o meu seguro de saúde."

"Excelente," respondeu ela, sem surpresa. "Isso é assédio e coação. Acabaram de nos dar mais munições. Não se preocupe, vamos resolver isso."

Naquela noite, não consegui dormir. A raiva mantinha-me acordada.

Percorri as redes sociais. O perfil de Clara estava aberto ao público.

Fotos dela e de Pedro. A rir. Em viagens. Em jantares de família.

Numa foto recente, tirada no dia em que o meu filho morreu, ela estava sentada num sofá, com o cão Trovão ao colo. A legenda dizia: "Grata pelo meu irmão maravilhoso, que está sempre aqui para me proteger. #AmorDeIrmão #Herói".

Pedro tinha comentado: "Sempre, minha irmã. Por ti, faço tudo."

Por ela, ele fazia tudo.

Pelo seu próprio filho, não fez nada.

Guardei uma captura de ecrã da publicação.

Depois, vi algo que me chamou a atenção. Uma série de fotos de uma viagem que fizeram à Serra da Estrela no inverno anterior. Numa delas, Clara usava um colar.

Um colar delicado, de prata, com um pequeno pingente em forma de sol.

Congelei.

Era o meu colar.

Pedro tinha-mo oferecido no nosso primeiro aniversário de casamento. Tinha desaparecido há alguns meses. Procurei por todo o lado. Pensei que o tinha perdido.

Mas não. Ele tinha-o dado a ela.

A minha garganta apertou. A traição era mais profunda, mais antiga do que eu pensava.

Isto não era sobre um momento de pânico. Isto era sobre uma vida inteira de enganos.

Senti uma náusea. Não de tristeza, mas de nojo.

No dia seguinte, recebi uma chamada de Ricardo, o meu sogro.

A sua voz era falsamente calma.

"Sofia, acho que começámos com o pé errado. Porque não vens jantar esta noite? Podemos conversar como uma família. Resolver as coisas."

Resolver as coisas.

Como se o meu filho fosse um prato partido que se pudesse colar.

"Claro," respondi, a minha voz igualmente falsa. "Adoraria."

"Ótimo. Vemos-te às oito."

Ele pensava que me podia manipular com uma refeição e palavras vazias.

Mal sabia ele que eu já não era a mesma Sofia.

A raposa estava a caminho do covil dos lobos. E estava com fome.

            
            

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