Ao cair da neblina
img img Ao cair da neblina img Capítulo 5 Íntimo demais
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Capítulo 6 Dúvidas img
Capítulo 7 Velha vida nova img
Capítulo 8 Doces lembranças img
Capítulo 9 Confrontos necessários img
Capítulo 10 Teia de mistérios img
Capítulo 11 À espreita II img
Capítulo 12 Revelações img
Capítulo 13 O outro lado img
Capítulo 14 O viúvo img
Capítulo 15 O plano img
Capítulo 16 Outros planos img
Capítulo 17 Londres img
Capítulo 18 O gran finale img
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Capítulo 5 Íntimo demais

Louise não fazia a menor ideia de todas as coisas que os pais sabiam ao seu respeito. Ao mesmo tempo, sabia de muitas coisas que eles não tinham conhecimento e jamais contaria. Deitou-se e tentou dormir. Começou a pensar em Éder, voltou 19 anos no tempo. Louise lembrava-se bem do açougueiro, era vizinho da família, havia se criado com ele, brincavam juntos quando eram crianças, mas nunca foram colegas porque Éder era três anos mais velho.

Quando a adolescência chegou, Louise mal lembrava que o vizinho existia, entretanto, para ela, foi necessário apenas um momento para que as coisas tomassem outras formas em sua vida. Fechou os olhos e ouviu a voz do açougueiro, que a chamava delicadamente de Lô. Nunca ninguém havia lhe chamado assim e nunca mais ninguém chamou. Essas lembranças trouxeram certa saudade, que, na verdade, era um eterno espinho cravado em seu coração, de uma história adolescente mal começada e mal terminada, em que era impossível pensar sem lembrar-se das mágoas.

Naquela época, Louise não estava satisfeita em estudar na escola municipal chata e pacata que ficava próxima à sua casa. Os dias eram sempre iguais e ela estava com a ideia adolescente de ganhar o mundo. Não seria ali. Caçapava era uma cidade pequena, mas Louise sabia que as meninas mais legais estudavam na escola estadual. Eram elas que iam para as festas, eram elas que desfilavam com roupas descoladas pelo centro, eram conhecidas, paqueradas, só perdiam, é claro, para as meninas das escolas particulares. Não havia dúvidas de que Louise queria ser uma delas. Mas os pais nunca deixariam que ela atravessasse a pequena cidade para estudar. Até pagar o ônibus, diariamente, seria uma dificuldade para eles. Deveria pensar em uma solução prática e rápida.

A pequena Caçapava era enorme para os pais de Louise, que não se sentiam nem um pouco seguros em largar a única filha sozinha. Uma das coisas que Louise gostava era andar a pé e nunca ia muito longe porque os pais não deixavam. A família morava em uma rua sem saída que tinha apenas uma quadra. A Alameda Número Cinco era um pequeno braço da Rua General Neto. Terrenos pequenos davam lugar a cerca de 12 casas modestas, onde habitavam famílias de trabalhadores. A rua não tinha nenhum tipo de pavimentação e ficava distante umas seis quadras do Forte Dom Pedro II, onde Louise costumava ir sozinha, sentar nas ruínas das muralhas ou fazer a volta caminhando em cima delas, para pensar na vida.

Num dia comum, Louise viu Éder chegando em casa, estacionando seu Chevette tubarão verde. Sem pensar muito, foi até o rapaz:

- Oi, Éder! Como vai?

O moço literalmente olhou para trás, achou que a conversa não era com ele. Arregalou os seus olhos verdes e respondeu:

- Oi.

- Faz tempo que não conversamos. Lembra de mim, não é?

- Eu lembro sim de ti, mas será mesmo que algum dia já conversamos? Digo, desde que não somos mais crianças...

Louise hesitou, queria logo pedir para que Éder lhe desse carona, tinha certeza de que o açougue que ele trabalhava ficava perto da escola onde ela sonhava tanto em estudar. Mas, achou que não poderia ir direto ao ponto, o rapaz na certa recusaria. Então, sorriu. Desconsertado, Éder sorriu de volta.

- Está tudo bem? - ele perguntou, claramente estranhando a situação.

- Sim eu... Eu... Só te vi chegar... Queria dar um oi. Então tá, até logo - e Louise saiu sem nem olhar para trás, para ver a reação do rapaz. Na certa, Éder era muito tímido, já que em todos esses anos que eram vizinhos, Louise nunca o vira com nenhuma menina. Também nunca tinha prestado atenção. Hoje, havia reparado que o açougueiro, loiro como um sol, tinha barba por fazer, olhos claros, era alto e musculoso, tinha um rosto quadrado e o semblante sério, que o deixava bem masculino. Louise achou que ele era bem jeitoso e não era de se jogar fora. O certo era que a semente estava plantada, Louise só não sabia se deveria regá-la ou não.

Quando chegou o fim de semana, Louise desfilou em frente à casa de Éder. Em uma das vezes, o moço tomava chimarrão com a mãe e não tirou os olhos dela. No domingo, Éder colocou o carro em frente à casa para lavar. Louise não pensou duas vezes se demorou e foi até lá.

- Oi, de novo!

- Oi - Éder parecia menos assustado e puxou conversa - e então, Louise, o que está fazendo da vida?

- Terminando o ensino médio, uma chatice, não vejo a hora de terminar logo. Tu já te formaste?

- Não, eu cursei só um ano. Meus pais insistiram para eu voltar, mas aí comecei a trabalhar no açougue em turno integral, então, ah, para que mais, não é? Já tirei carteira de motorista, eu sei escrever e calcular. Adoro trabalhar com carne, então, não vou voltar para os estudos.

- Ah. - Louise não sabia o que dizer. Era só isso mesmo o que este rapaz almejava na vida? - Eu ainda quero estudar mais, faculdade... Sabe?

- De que tu queres fazer?

- Ainda não sei, mas eu queria muito viajar, ver o mundo por trás das muralhas desse velho forte. Mas, não sei se vai rolar, eu não sei se vou me formar, a escola está péssima, turma ruim, eu não consigo me concentrar, talvez acabe reprovada.

- Por que não troca de escola? - Bingo!

- Pois até pensei na escola estadual, mas a minha mãe não deixa. É meio longe de casa para ela, não é? Eu bem que queria pegar um ônibus, mas minha mãe acha que alguém poderá me raptar aqui em Caçapava.

- Essa escola é bem perto do açougue. Eu poderia te dar carona.

- Capaz, Éder! Não posso te atrapalhar. Sabe, eu vou para a aula todos os dias.

- E eu, para o trabalho todos os dias, e ainda venho ao meio-dia. Eu te trago.

- Não sei. - Será que havia sido, assim, tão fácil? Quanto mais Louise fazia papel de difícil, mais interesse o rapaz apresentava.

- Eu falo com a tua mãe.

- Bem, podemos dividir a gasolina.

- Nem pensar, estou oferecendo um favor a uma vizinha, uma amiga de infância. Não aceito nada em troca.

- Tá, eu vou ver com a mãe. Depois te falo. Tchau.

- Até mais.

Em casa, Louise usou de todos os argumentos que tinha para que a mãe aprovasse a ideia. De tanto insistir, a mãe foi à vizinha e conversou com Éder, que assegurou não ter problema algum. Na segunda-feira, Louise já estava matriculada na escola nova. Na terça-feira, as caronas começaram. Louise e Éder foram se conhecendo mais nos minutos que levavam para ir até a escola e voltar. Louise sempre ficava no açougue, ajudava Éder a abrir a porta de manhã cedo, ficava com ele uns 10 minutos, matando tempo, e partia para a escola para não chegar cedo demais.

O açougue tinha um nome clichê: Churrasqueiro. Era pequeno e localizava-se em uma esquina. Por fora, recebia uma pintura cor de areia que pedia reparos imediatos. Havia uma grande porta sanfonada de ferro tingida de azul marinho. Não tinha nenhuma janela. Por dentro, era muito limpo e também tão simples quanto por fora. Havia apenas um balcão de madeira branco com uma balança em cima e um grande balcão resfriado ao lado, com algumas peças de carne expostas. No canto, atrás, ficava a serra, que Éder manuseava com habilidade. O que sempre chamava a atenção de Louise era a grande pilha de carvão exposta bem na entrada. Louise não suportava o cheiro da carne crua e, às vezes, parecia que ele estava entranhado em Éder.

Uma semana após iniciadas as caronas, Louise dava um beijo no rosto de Éder na entrada do carro e outro na saída, quando a deixava em casa. No início, o rapaz se assustou, era recatado e tímido demais, nunca havia tentado nada. A mãe de Éder estava adorando as caronas. Aos 19 anos, ele nunca se aproximara de uma menina. Todos os dias, dona Elvira convidava Louise para o almoço e, por vezes, ela aceitava.

Quinze dias depois, ao descer do carro, Éder abriu a porta do açougue e Louise entrou antes do rapaz levantar a porta sanfonada, diferente do que acontecia todos os dias. Louise fechou a porta atrás de si e, decidida, puxou Éder e o beijou com muita vontade. O rapaz suprimiu um suspiro e Louise teve certeza de que ele estava gostando quando sua ereção começou a pressioná-la próxima ao umbigo. Quando parou de beijá-lo, Éder manteve os olhos fechados por um longo intervalo de tempo. Após, olhou-a e pronunciou seu nome com sutiliza.

- Eu não sei o que dizer...

- Não fala nada. Eu gosto de ti, Éder.

- E eu de ti, Louise.

Naquele dia, caminhou até a escola aos sorrisos e na ponta dos pés. Não sabia por que havia beijado Éder, não precisava, mas queria. Não contaria nada daquilo para ninguém, mas estava realmente disposta a saber o que mais poderia acontecer ali. Era pela emoção, mas ela não queria que fosse para sempre.

O namoro com Éder foi um segredo absoluto entre os dois. O rapaz queria ir à casa de Louise, conversar com os pais dela, explicar que tinha boa intenção. Tocou neste assunto com Louise inúmeras vezes. Ela, por sua vez, achava graça de conhecer um homem tão jovem e tão antiquado, e não lhe permitia conversar com os pais. Estava curtindo o segredo secretíssimo que os dois carregavam. Ele falou naquelas alianças prateadas de compromisso. Louise não demonstrou interesse.

Na cabeça de Éder, ela era jovem demais e precisava de um tempo antes de aceitar namorar com ele para valer. Para ele, não havia pressa.

Em dois meses, ambos se sentiam muito amigos e muito conectados. Estavam se conhecendo e Louise, de fato, gostava muito de estar com Éder. Ela já não era mais virgem, havia tido duas ou três experiências bem ruins com um namoradinho da antiga escola. Acreditava que Éder também não era, afinal, ele já tinha 19 anos. Nenhum dos dois nunca tocava no assunto, Éder era sempre muito respeitador. Todos os dias, no açougue, de manhã cedo, a pegação era garantida. Os beijos estavam cada vez mais intensos, mais longos.

Na escola, Louise jamais comentara com as colegas sobre Éder ou sobre as caronas. Havia feito muitas amizades com meninas e meninos considerados populares, e aproximou-se das amigas através do estudo, pois Louise tinha sempre boas notas, era estudiosa e estava ajudando muitas colegas que só queriam saber de curtir a vida. Esta era a razão pela qual era convidada para frequentar a casa delas, para ajudar nos trabalhos escolares. Seguidamente, saía com amigas para o centro, tomava sorvete, faziam pequenas compras. Às vezes, pegava carona com Éder, de tarde, até a escola, afirmando que iria fazer um trabalho. Dali, andava com amigas pela pequena cidade sem que os pais soubessem. Havia aceitado um convite para uma festa noturna; o pai a levou e a buscou. Não contou nada para Éder. Sabia que não corria o risco de encontrá-lo lá e, também, ninguém contaria para ele, já que o relacionamento dos dois era secreto.

Louise não achava que tinha assumido algum compromisso. Nunca quis, na verdade, nada parecido com isso. Era jovem, a certeza de ter liberdade e fazer o que queria lhe agravada, diferente das amigas. Muitas sonhavam em encontrar o amor de suas vidas e, tão logo se dessem conta, já estariam comprometidas.

Após três meses de estudo na escola nova e de caronas, Éder ganhou uma folga do trabalho.

- Louise, estou de folga amanhã. Antes, eu sempre tirava uma folguinha, de vez em quando, mas agora o patrão demitiu o outro rapaz e estamos só eu e ele no açougue. Só que ele é chefe, não é, e aparece a hora que quer e tal, então eu fico com muito mais trabalho. Para compensar, então, ele me deu folga amanhã.

- Sem problemas, peço para o meu pai me trazer, depois volto de ônibus ao meio-dia.

- Nem pensar, eu vou vim te trazer e te buscar.

- Bem capaz...

- Não, eu vou! Como é que vou começar bem o meu dia se não for contigo?

Um sorriso mal-intencionado surgiu na boca de Louise. Em sua cabeça, traçou um plano. Amanhã, conheceria os dotes sexuais do namorado. Não poderia perder a oportunidade e não falaria nada para ele antes. Pensou que poderiam dar uma esticadinha, de carro, até a rodovia que levava para fora da cidade e visitar um motel. Levaria um pouco do dinheiro da quase inexistente mesada que recebia dos pais, esperava que chegasse, afinal, Éder poderia estar desprevenido ao ser pego de surpresa. Falando em prevenção, passaria em uma farmácia e compraria preservativos. Engravidar, agora, colocaria fim à sua vida e aos seus planos incertos.

Passou a tarde agitada. Cada vez que revia o plano em sua cabeça, corria-lhe um frio pela espinha. Era como se fosse a sua primeira vez, e não deixava, por assim dizer, de ser. Talvez agora fosse uma primeira vez de verdade. Estava determinada, a ansiedade não iria lhe impedir. Saiu a pé, de tarde, no comércio próximo à casa. Comprou preservativo e uma lingerie rendada fio dental branca. Teria que esconder aquilo da mãe. Ela teria uma síncope se visse.

Acordou um pouco mais cedo naquela manhã. Tomou banho e, ao sair do chuveiro, deu de cara com o pai.

- Banho de manhã cedo? Só pode ter mijado na cama.

Precisou rir da piada do pai.

- Me tapei demais esta noite. Acordei suada - não sabia se era uma boa desculpa, mas quem indagaria, afinal, não era crime lavar-se pela manhã.

De volta ao quarto, colocou a lingerie por baixo do jeans de quase todos os dias e uma camiseta da escola. Pensou em usar uma blusinha mais sexy, mas não podia causar desconfiança em casa. Pegou a mochila e partiu.

Éder esperava na frente da casa quando Louise adentrou no carro, como fazia todos os dias. Enquanto ele tomava o caminho para a escola, ela perguntou, então, como quem não queria nada:

- A gente podia fazer uma coisa diferente hoje para aproveitar a tua folga, não é?

- Que horas?

- Agora.

- Achei que era só eu que estava de folga.

- Ah, não tenho nenhuma falta. Uma só não vai fazer mal.

- E o que a gente faria?

Louise hesitou por um instante. Levou um segundo para responder e disse, decidida:

- Sexo.

Éder não esperava ouvir o que ouviu. Seu rosto ruborizou de imediato, esqueceu que estava dirigindo. Teria atropelado um ciclista se não fosse o grito de Louise o alertando a olhar para frente. Depois do episódio, Louise riu bastante.

- Está bem, eu não quero te assustar, podemos esperar - ela debochava.

- Bem, eu... Não sei. Acho que já temos idade, não é?

Após gargalhar mais uma vez, Louise não aguentou a curiosidade:

- Não me diga que tu és virgem.

- Não sou. Eu tenho 19 anos, Louise. Quase 20.

- Imaginei que tu não fosses mesmo - de repente, ela lembrou-se que não tinha assim tanta experiência.

- Já que estamos falando nisso, tu também não és mais, certo?

- Não sei bem o que dizer. Eu tive alguma experiência, bem pouca e bem ruim. Devia estar assustada agora, mas contigo sinto-me confiante.

Parece que as palavras dela falaram direto ao coração de Éder. Um sorriso de orelha a orelha, com uma pitada sutil de safadeza, expressava a emoção que o rapaz sentia.

- Está certo, Lô. Então, vamos aonde?

- Pensei em um motel, mas tinha que ser o da rodovia, para não arriscarmos que algum conhecido veja o seu carro. Eu trouxe dinheiro.

- Acha que eu não posso pagar?

- Não, eu só achei que, talvez, tu estivesses desprevenido.

- Bem, quanto a dinheiro eu estou prevenido.

- O resto, deixa para mim. - Louise puxou uma caixa de preservativos do bolso de fora de mochila.

- Por que sinto que alguém estava de caso pensado?

- E eu estava.

Vinte e cinco minutos depois, ambos já se encontravam no quarto de motel. O carro, guardado num boxe seguro, escondia a placa. Não havia nada para se preocuparem, a não ser o visível desconforto de Éder. O quarto era pequeno, mas aparentava certo luxo e total higiene. Uma cama oval, grande, ocupava boa parte do espaço. Havia uma TV e um banheiro confortável, com banheira de hidromassagem. Os tapetes e as roupas de cama combinavam, todos em um tom vermelho paixão. Havia uma bancada com frigobar e algumas guloseimas em um canto. Os espelhos nas paredes e no teto deixaram Louise um pouco encabulada; nada do que fizessem passaria muito escondido ali.

Éder sentou na cama. Louise foi até um painel na cabeceira e mexeu nos botões. O primeiro ligou a TV e um filme pornográfico, com som bem alto, começou a ser exibido na hora. Louise desligou de imediato.

- Quer deixar ligada? - perguntou ao namorado, notoriamente constrangido.

- Não! - agora ela estava constrangida.

- O que tu estás tentando fazer aí?

- Colocar uma musiquinha em volume bem baixo, se der, e deixar poucas luzes acesas.

- Já esteve em um motel antes?

- Não. E tu?

- Também não.

Enquanto mexia no painel, conseguiu ligar uma música bem sexy e colocou pouquíssimo volume. Depois, testou as luzes e deixou apenas as pequenas, acima da cama, acesas. Como era de manhã, o quarto apresentava alguma luminosidade. Por fim, Louise parou em frente ao namorado.

- Éder, eu quis muito estar aqui hoje contigo, mas tu estás parecendo muito assustado. Eu decidi vir aqui e não quero ficar envergonhada, mas se tu ficares me olhando deste jeito, neste vermelhão, eu não sei se consigo. Na boa, amor, tu pareces uma múmia.

- Desculpa, eu confesso que já pensei muito nesse momento, mas achei que demoraria mais. Nunca imaginei que tu me convidarias assim, de repente - ele pegou as mãos de Louise - Temos a manhã toda, quem sabe abrimos uma garrafa de vinho?

- Boa ideia.

Éder foi até um balcão com frigobar, localizado do outro lado do quarto, e abriu uma garrafa de vinho.

- Nem olhou o preço - Louise comentou.

- Não quero saber - sorriu Éder, enchendo duas taças e alcançando uma para Louise. Voltou a sentar-se na cama e Louise permanecia em pé, no mesmo local. Cada um deu um gole em sua taça. Louise largou a taça no chão, abaixou-se, tirou os tênis e as meias. Na sequência, tirou a camiseta e as calças, foi amontoando todas as roupas no chão, próximo à taça. Cada movimento seu era acompanhado pelos olhos verdes do rapaz.

- Este é, certamente, o momento mais legal da minha vida - afirmou Éder, quando viu Louise vestindo calcinha e sutiã brancos de renda. Nada mais. A calcinha, pequena e fio dental mostrava bem o bumbum torneado de Louise. Éder passou os olhos pela sua barriga definida e olhou os seios pequenos e delicados. Louise o beijou, pegou a taça do namorado, deu um gole grande e colocou na cabeceira larga da cama. Nesta hora, Éder levantou. Puxou a camiseta pelo pescoço, com uma das mãos, livrando-se da roupa. Louise ficou encantada com o peito sarado do namorado, adorou o fato de Éder não ser peludo. Ela nunca tinha imaginado que ele era tão bonito sem camisa. Antes que ele pudesse tirar as calças, Louise o atacou aos beijos, passando as pernas ao redor de sua cintura e apertando-o com força. Naquele momento, Éder já estava à vontade. Largou a namorada na cama e terminou de despi-la, deitando-se sobre ela.

Quarenta e cinco minutos depois, o casal desabou na cama, suado e esgotado. Louise estava feliz por ter inventado aquela manhã no motel. Éder não deixava a desejar em nada quando se tratava de sexo, e Louise, pela primeira vez, havia sentido muito prazer.

- Diz que podemos ficar aqui até o meio-dia...

- Não vai ficar caro demais?

- Lô, não se preocupa com isso. Vou pedir algo para a gente comer, não podemos passar a manhã inteira com uma garrafa de vinho.

- Posso pagar a comida?

- Mocinha, eu vou ficar realmente bravo se tu voltares com essa conversa.

- OK, não está mais aqui quem falou.

Antes de chegar o café, o casal continuava a conversa:

- Éder, eu acho que tu perdeste a virgindade lá no casarão da Gina - Louise referia-se a um bordel bem famoso na cidade.

- Sem graça! Por que acha isso?

- É que tu és muito tímido. Não consigo te imaginar convidando uma garota para transar.

- Parece que tu me conheces mesmo.

- Sério, foi lá? Eu acertei?

- Nunca vai contar para ninguém, vai?

- Dã! Que pergunta, para quem eu contaria?

- Está certo. Eu fui lá sempre que... Precisei - Éder não estava muito confortável ao contar isso.

- E todo mundo te vê por lá?

- Elas sabem ser bem discretas quando o cliente pede.

- Elas?

- Não te preocupes, eu sempre me preveni, não sou burro.

Louise parou de repente com a conversa. Sentiu-se morta de ciúme e raiva pelo namorado frequentar aquele lugar. Não gostou nem um pouco de imaginá-lo com outras mulheres.

- E quando tu paraste de ir lá?

- Quando comecei a te dar caronas.

- Não parece justo um cara tão gostoso e bom de cama como tu ter que pagar por sexo.

- Nunca mais vou pagar, já que vamos casar.

Louise caiu na gargalhada. Sabia que Éder não estava brincando quando falou, mas riu para ver se ele fingia que era só brincadeira.

- Não estou brincando, Lô.

- Éder, vamos com calma, tá? Eu tenho muitos planos para a minha vida. Eu estou curtindo muito este namoro secreto, vamos fazê-lo durar mais assim. Está bem?

- Para mim, não precisava ser secreto. Estou pensando quão legal seria se a gente casasse e pudesse transar assim todos os dias.

- Eu acho que podemos transar assim quase todos os dias.

- De que jeito? Onde?

- Moramos a apenas três casas de distância. A gente pode se visitar de noite.

- Está louca? E se alguém nos pegar?

- Pois é a emoção que me interessa.

- Não vou fazer isso, Lô.

- Vai sim. Mas, essa conversa deixamos para depois. Ah, quando vierem trazer o lanche pergunta como que liga a banheira?

E assim aconteceu. Os dois lancharam, foram para a banheira e tiveram mais duas sessões de sexo intenso. Ao meio-dia, foram embora. Louise almoçou com dona Elvira e depois foi para casa. Dormiu a tarde toda, sentia-se exausta e muito dolorida. Não estava acostumada à atividade sexual, mas havia gostado.

Como Louise queria, aconteceu. No dia seguinte, mandou uma mensagem de texto para Éder, avisando: "Agora". Em dois minutos, ouviu duas batidinhas na janela. Era a senha. Abriu a janela, bem devagar, quase sem fazer barulho, e Éder entrou. Tiveram duas sessões de sexo tranquilas em que quase não respiraram. O quarto dos pais de Louise ficava na frente da casa, era necessário atravessar a cozinha e havia mais um banheiro que separava os cômodos. Éder entrou pela lateral da casa, que não passava em frente ao quarto do casal. Largou um bife da sobra do jantar da mãe para o cão não latir. Havia dado tudo certo, mas o casal não podia correr o risco de ser descoberto, então, tomavam o maior cuidado. Éder deixou a cama de Louise às seis. Sabia que o relógio da mãe despertaria às seis e meia e ela iria lhe chamar.

Na outra noite, foi Louise quem deixou sua casa e foi para a de Éder. A mãe dele era idosa e viúva há um ano e dormia um sono profundo. Éder vivia na pequena edícula logo atrás da casa. Esperou a amada no portão e a conduziu para dentro. Lá, o sexo não precisou ser tão silencioso, mas o casal havia dormido pouco na noite anterior e estava cansado. Adormeceram agarradinhos. Éder tinha cama de casal. Como antes, Louise retornou para casa às 6 horas.

As visitas noturnas começaram a ocorrer três ou quatro vezes por semana. Uma vez no mês, Louise matava aula e ia para o motel com Éder. Às vezes, Louise dizia aos pais que ia na balada com Éder e com as amigas, mas ia para a edícula do namorado e passava a noite. Outras vezes, Louise dizia a Éder que dormiria na casa da avó no sábado e ia para a balada com as amigas.

Durante aquele ano inteiro, os dois namoraram escondido. Éder sempre querendo abrir o jogo para todos. Louise gostava mesmo de Éder, tinha sentimentos em relação a ele e, na certa, estava tão apaixonada por ele quanto ele por ela, mas não queria contar para ninguém do relacionamento. Na escola, era popular como sempre sonhou em ser. De tanto ser chamada de santinha pelas amigas, ficou com um carinha em uma balada. Sentiu-se triste e detestou pois gostava muito do namorado. A cidade era pequena, mas Éder nunca ficou sabendo das saídas de Louise. O rapaz era muito quieto, tinha poucos amigos e como ninguém sabia do namoro dos dois, Louise sentia-se desimpedida.

O ano letivo terminou e Louise teve êxito na escola, como era de se esperar. Ainda que o namoro com Éder propiciasse a ela sessões de sexo intensas durante o ano, isso não lhe tirou o tempo dos estudos, pois na maior parte das tardes, enquanto Éder trabalhava no açougue, Louise estudava.

As férias escolares vieram e com elas o vestibular. Louise foi a Porto Alegre e prestou a prova para ingressar no curso de Turismo na PUC. Não falou nada para Éder. Como as caronas terminaram, não era sempre que os dois se viam e passaram a marcar encontros românticos noturnos por SMS. Louise sentiu-se tentada a engatar namoro firme com Éder, sabia que os pais gostariam muito, pois conheciam os pais de Éder há muitos anos e viviam dizendo que era uma família de gente boa. Nesse caso, contudo, seu plano de viajar pelo mundo já era.

Uma das amigas de Louise fez-lhe um convite para ir à praia por quase um mês, no meio de janeiro, para não se sentir sozinha. Era a desculpa que ela precisava. Fez as malas e viajou. Um milhão de vezes pensou em como contar para Éder que não o queria mais, mas não podia nem imaginar olhar seus olhos verdes e dizer isso. Ensaiou mensagens SMS da praia, mas não teve coragem de enviar. Não atendeu nenhum de seus telefonemas. Chorou todas as noites. Durante o dia, mal curtiu as férias e a amiga estranhou o comportamento tristonho de Louise, que se limitou a dizer que eram problemas, preocupações:

- Por favor, não me pergunta, se não morro chorando.

O que Louise não sabia é que, nesse meio tempo, Éder havia ido até a casa dela lhe procurar. A mãe da garota ficou curiosa com o interesse do rapaz e ele contou que namorava com Louise desde o início do ano, que tinha boas intenções e achava que ela estaria levando o namoro a sério. Augusta ficou surpresa, não esperava aquela notícia repentina. Informou a Éder que Louise havia sido aprovada no vestibular para Turismo e que estava pensando em um lugar para ficar na capital. Éder chorou ali mesmo e entendeu o que era ser passado para trás. Adoeceu, ficou depressivo e, pela primeira vez na vida, precisou colocar um atestado médico de três dias para não ir ao açougue.

Dias depois, Louise voltou da praia. Os pais haviam decidido não falar nada sobre Éder, já que ela se recusara a contar sobre o namoro. Ela estava triste e sabia que não poderia se mandar para Porto Alegre sem, pelo menos, dar tchau para ele. Esperou na frente da casa de Éder, à tardinha, até ele voltar do açougue. Assim que o Chevette se aproximou, o coração de Louise disparou.

Antes de desligar o motor, Éder já disparou duras palavras para cima da menina:

- O que tu pensas estar fazendo na frente da minha casa? Some daqui.

A rispidez nas palavras dele era desconhecida para Louise. Não a chamou pelo apelido, não demonstrou nenhum sentimento de tristeza ou saudade, só raiva. Ela pensou em erguer o nariz, defender-se, mas não tinha razão, nem de longe. Estava tomada de uma tristeza profunda havia mais de um mês.

- Por favor, vamos conversar.

- Nada, vai embora!

Ouvindo os gritos do filho, a mãe de Éder apareceu na janela.

- Éder, vão discutir dentro de casa. Parem de ficar dando motivo para falatório na vizinhança.

- Não tem o que discutir, mãe.

- Me dá um minuto, Éder - implorou Louise.

- Entra!

O casal dirigiu-se à edícula de Éder. Louise não sabia o que dizer, não sabia por onde começar.

- Teu um minuto já está correndo.

- Éder, eu devia te pedir perdão, mas não espero que tu entendas.

- Claro que não, pensas que eu sou um burro, não é? Por que entenderia alguma coisa?

- Acontece que eu não quero morar aqui em Caçapava o resto da minha vida. Eu quero mais. Olha para isto aqui, não tem nada nesta cidade. Eu não quero ser pobre para sempre. Eu quero estudar, viajar, ver o mundo.

- E eu não poderia ir junto para onde tu vais?

- Eu não sei.

- Não sabe porque só pensas em ti. Se mandou para praia, não é? Não foi capaz de atender ao telefone.

- Eu não tive coragem - bem nessa hora as lágrimas começaram a jorrar dos seus olhos - Dói em mim, Éder. Eu te amo, mas não posso ficar aqui, não posso jogar a minha vida fora neste buraco de cidade, somos jovens demais, eu não sei o que fazer. Vou embora para Porto Alegre amanhã, eu vou começar a faculdade que sempre sonhei. Dei um duro danado para passar no vestibular. Perdoa não ter te contado, eu fui para praia tentando te esquecer. Não deu. Acho que ainda um grande sofrimento me aguarda.

- Maldita hora que tu me procuraste. Veio na minha casa, entrou no meu carro, invadiu o meu açougue, me agarrou, me beijou, me levou para cama, me deixou apaixonado e agora vai me dispensar do nada! Eu fiquei louco nesses dias, tive febre, estou indo trabalhar sem a menor vontade, pela primeira vez na vida. Por tua causa estou sem chão.

- Perdão. Nunca foi minha intenção te machucar. Nem me apaixonar. Eu não sei o que dizer. Vou embora, tá?

Ao passar pela porta, Éder segurou-a pela mão e enxugou as lágrimas que insistiam em borbulhar dos seus olhos.

- Eu vou contigo. Deixo a mãe aqui, ela é forte, vai ficar bem. Arrumo um emprego em algum açougue em Porto Alegre. A gente aluga uma casa bem pequena, o que der.

- Eu vou ter que trabalhar de dia e estudar de noite. Não acho que as coisas serão fáceis para mim.

- Então, vais precisar de alguém para te cuidar. Eu trabalho de dia, te dou carona. Te espero com jantar na mesa todas as noites.

Para Louise, aquilo parecia um casamento de pobre, muito pobre. Como poderia levar Éder na bagagem? Estava predestinado a dar errado. Não curtiria nada da vida da capital com o rapaz enrabichado, seria muito compromisso de uma só vez. Agora, teria que dispensá-lo de vez. Largou a mão de Éder e respondeu, entre as lágrimas.

- Não.

Ao sair da edícula, viu que o rapaz também chorava.

Em casa, Louise pensou no que havia falado na praia para a sua amiga, que havia problemas, preocupações. Não era só Éder. Na capital, teria que se virar. Os pais nunca deixaram faltar nada para ela. Mas, eram pobres, moravam em uma casa humilde. A mãe trabalhava em um atelier de costura e o pai era mecânico. Sabia desde o início do ano, quando anunciou interesse por faculdade, que os pais estavam fazendo hora extra, que haviam feito uma poupança, mas tinha certeza que, por mais que eles tivessem conseguido juntar algum dinheiro, não seria isso o suficiente por muito tempo. Faculdade era coisa cara. Morar na capital era coisa cara. Problemas eram certos.

À noite, colocou a lingerie branca por baixo de um vestido e bateu à porta da edícula de Éder. O rapaz não acreditou quando a viu em pé, na porta.

- Vai me assombrar, Louise? Já não me dispensou? O que faz aqui?

- São três perguntas. A primeira: não, eu não vou te assombrar. Segunda: dispensar não é a palavra certa, eu não quero pensar sobre isso agora. E a terceira: eu vim me despedir, posso, pelo menos, dar-te um beijo?

A porta se abriu. Louise passou a noite nos braços do açougueiro. Não houve discussões ali. Quando o relógio despertou, às seis da manhã, nenhum dos dois havia dormido.

- Bastava tu teres estralado os dedos e eu ia contigo.

- Eu sei.

- Tu vais levar meu coração junto contigo?

- Acredita, eu não queria que fosse assim. Eu espero realmente que esta não seja a última vez que eu te encontro. Vou pensar em ti o tempo todo.

- Não vai ser a última vez. Me liga de vez em quando. Eu vou tentar viver aqui, vou torcer por ti.

- Até logo, amor.

                         

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