Monstros Vestidos de Anjos
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Capítulo 1

Luana e eu, Isabela, éramos inseparáveis em São Paulo, duas jovens tentando deixar nossa marca no mundo da moda, um universo tão competitivo quanto fascinante. Nossos sonhos eram costurados com linhas de ambição e amizade, e estávamos prestes a ver nosso maior projeto ganhar vida. Mas o destino, de uma forma que nunca poderíamos imaginar, rasgou nossos planos.

Numa noite de trabalho intenso em nosso ateliê, cercadas por croquis e tecidos, uma tontura súbita nos envolveu, uma luz estranha pulsou na sala e o cheiro de tecido e café foi substituído pelo som ensurdecedor de tambores e um calor úmido que não pertencia a São Paulo.

Quando abrimos os olhos, não estávamos mais em nosso ateliê. Estávamos no meio do barracão de uma escola de samba no Rio de Janeiro, um lugar vibrante, caótico e completamente desconhecido. O choque inicial deu lugar a um pavor crescente. Como havíamos chegado ali? Era um sequestro? Estávamos presas em algum tipo de pesadelo coletivo? Antes que pudéssemos encontrar respostas, a realidade nos atingiu com uma brutalidade inimaginável.

Luana, por seu talento excepcional, havia sido escolhida para criar os destaques de um desfile, um trabalho que apareceu do nada, mas que parecia uma oportunidade única. Ela se isolou para trabalhar, mergulhando de cabeça no universo do carnaval. Foi nesse período de reclusão que o inferno começou. Capangas de um traficante rival, ou era o que diziam, invadiram o local onde ela estava. Não queriam dinheiro, não queriam informações. Queriam destruí-la.

Por três dias e três noites, Luana foi mantida em um galpão abandonado. A violência foi implacável. Eles rasgaram cada uma de suas criações, os tecidos que ela escolheu com tanto cuidado, os bordados que levaram horas de trabalho. Cada peça destruída era um pedaço de sua alma sendo arrancado. Eles a humilharam, a tocaram, a torturaram com palavras e atos que deixariam cicatrizes eternas, muito mais profundas do que qualquer ferimento físico. O som de suas risadas ecoava no galpão enquanto sua esperança se esvaía.

Eu, desesperada com seu desaparecimento, comecei a procurá-la por toda parte. Ninguém sabia, ninguém tinha visto. Meu instinto me levou a lugares perigosos, becos escuros e vielas que eu nunca deveria ter pisado. Foi então que me encontraram. Eles não me levaram para o mesmo lugar, mas o objetivo era o mesmo: nos quebrar. Eles roubaram minha pasta de desenhos, todo o meu portfólio, o trabalho de uma vida. E então, eles se concentraram em minhas mãos.

"Você gosta de desenhar, não é?"

A voz de um deles era puro veneno.

Eu implorei, gritei, mas eles não pararam. O som dos meus ossos quebrando foi o último que ouvi antes de desmaiar. Minhas mãos, a fonte do meu sustento, a ferramenta da minha arte, estavam destruídas.

Quando tudo parecia perdido, quando a escuridão era tudo o que nos restava, dois homens surgiram como anjos em meio ao caos. Rafael e Lucas, os dois maiores compositores de samba do Rio, com quem, de alguma forma, tínhamos firmado contratos de trabalho nesse novo e estranho mundo. Eles eram nossos parceiros de negócios, mas naquele momento, pareceram nossos salvadores.

Rafael, o mais famoso e charmoso, encontrou Luana, fraca e traumatizada no galpão. Ele a envolveu em seus braços, seu rosto uma máscara de fúria.

"Eu juro, Luana. Eu juro que eles vão pagar por cada lágrima sua."

Suas palavras foram um bálsamo para a alma ferida dela.

Lucas, conhecido por sua aura de generosidade e calma, me encontrou. Ele não hesitou. Usou suas conexões, seu dinheiro, seu poder. Garantiu que eu tivesse o melhor tratamento médico, que os melhores cirurgiões cuidassem das minhas mãos. Ele ficou ao meu lado, prometendo que tudo ficaria bem, que ele cuidaria de mim.

Acreditamos neles. Como não acreditar? Eles nos resgataram do abismo. Eles nos deram segurança em um mundo que só nos havia mostrado perigo. Com o tempo, a parceria de negócios se transformou em algo mais. Luana, ainda lutando contra seus demônios, encontrou conforto e amor nos braços de Rafael. Eu, aprendendo a viver com a dor e a limitação de minhas mãos, me apoiei na força tranquila de Lucas.

Nós nos casamos. A vida no Rio, que começou como um pesadelo, se transformou em um conto de fadas. Cem desfiles de carnaval se passaram. Anos de aparente felicidade, sucesso e amor. Nossos traumas foram enterrados sob camadas de lantejoulas, plumas e melodias de samba. Pensamos que havíamos encontrado nosso final feliz, que a dor fazia parte de um passado distante. Estávamos terrivelmente enganadas. A verdade era um monstro paciente, esperando o momento certo para nos devorar.

            
            

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