Monstros Vestidos de Anjos
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Capítulo 4

Eu encontrei Luana no chão do quarto, em uma poça de sangue e lágrimas. A cena era de puro horror. O cheiro metálico no ar misturado ao perfume adocicado da bebida que ainda pairava no ambiente me causou náuseas. Corri para o lado dela, meu coração se partindo ao ver seu estado. Chamei uma empregada de confiança, uma das poucas pessoas naquela casa imensa que parecia ter um coração, e juntas a limpamos e a colocamos na cama.

"O bebê...", ela sussurrou, a voz rouca. "Se foi."

Eu a abracei, as lágrimas escorrendo silenciosamente pelo meu rosto. Não havia palavras que pudessem confortá-la. A perda era imensa, a traição que a causou, imperdoável.

Enquanto cuidava dela, minha própria dor veio me visitar. Era um ciclo vicioso. O estresse, a tristeza, o frio... tudo era um gatilho para a dor lancinante em minhas mãos. Os ossos, embora curados, gritavam em protesto. Era uma dor profunda, que irradiava pelos meus braços e me deixava sem forças. Eu precisava de Lucas. Em momentos assim, ele sabia exatamente como massagear minhas mãos, os pontos certos para aliviar a pressão. Ele sempre estava lá.

Mas não hoje. Hoje, Lucas estava com Sofia. Assim como Rafael.

Eu me sentei em uma poltrona no canto do quarto de Luana, tentando disfarçar minha própria agonia. Cerrei os dentes para não gritar enquanto as ondas de dor me atingiam. Eu olhava para Luana, deitada na cama, pálida como a morte, e me sentia completamente inútil. Não podia aliviar a dor dela, e não podia aliviar a minha. Estávamos presas, duas almas feridas em uma gaiola dourada.

"Lucas... ele deveria estar aqui," eu murmurei, mais para mim mesma do que para Luana. A ausência dele era uma ferida aberta. O protetor, o homem gentil, não passava de uma ilusão. A dor nas minhas mãos era um lembrete constante de que ele era tão culpado quanto Rafael. Foi ele quem me entregou aos meus agressores. Foi ele quem roubou meus desenhos.

As horas se arrastaram. A noite caiu. E então, eles voltaram.

Rafael e Lucas entraram no quarto. Seus rostos não mostravam remorso ou preocupação. Mostravam uma urgência egoísta. Eles mal olharam para o estado de Luana na cama. Seus olhos estavam fixos em mim.

"Isabela," começou Lucas, a voz desprovida de qualquer calor. "Precisamos de um favor."

Eu o encarei, incrédula. Um favor? Naquele momento?

Rafael foi mais direto, sua crueldade exposta sem qualquer disfarce. "A carreira da Sofia está em perigo. As críticas ao último desfile não foram boas. Ela precisa de algo novo, algo genial, para se reerguer no desfile das campeãs."

Ele fez uma pausa, olhando de mim para Luana, como se estivesse avaliando mercadorias.

"Precisamos do 'coração' da Isabela e da 'alma' da Luana."

O silêncio no quarto era pesado, denso. Eu precisei de um momento para processar a monstruosidade do que ele estava pedindo.

Lucas interveio, tentando soar razoável, o que tornava tudo ainda mais nojento. "Isabela, seus desenhos. Seus conceitos mais valiosos, aqueles que você guarda a sete chaves. Sabemos que você ainda os tem na cabeça. Precisamos que você os coloque no papel. Para a Sofia."

O coração. Meus desenhos mais preciosos.

Rafael então se virou para a cama, para a mulher que ele tinha acabado de tentar matar, junto com seu filho.

"E você, Luana," ele disse, a voz fria como gelo. "Sua capacidade de transformar qualquer tecido em magia. Sua visão. Sua alma de estilista. Você vai canalizar tudo isso para criar o figurino mais espetacular que o carnaval já viu. Para a Sofia."

A alma dela.

Eles não estavam pedindo. Estavam exigindo. Exigindo que nós entregássemos a essência do que éramos, nosso talento mais puro, a única coisa que ainda nos pertencia, para salvar a carreira da mulher que era a causa de todo o nosso sofrimento. Eles nos quebraram, nos humilharam, e agora, voltavam para pegar os cacos e usá-los para enfeitar sua rainha.

A audácia, a crueldade, a completa falta de humanidade deles me deixaram sem ar. A dor nas minhas mãos pareceu desaparecer, substituída por uma fúria incandescente que queimou todo o meu ser. O ponto de ruptura havia chegado.

                         

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