Eles falavam baixo, achando que ninguém podia ouvir. Suas palavras eram lâminas frias que cortaram o ar e perfuraram a bolha de felicidade em que vivíamos.
"A Sofia está impaciente," disse Lucas, a voz desprovida da gentileza que ele sempre me mostrava. "Ela acha que a Luana ainda tem muito destaque. Acha que você a protege demais."
A resposta de Rafael foi um riso baixo e cruel, um som que fez meu sangue gelar.
"Proteger? Eu a controlo. Ela é minha. Mas Sofia não precisa se preocupar. Você se lembra do que fizemos para que ela tivesse o lugar que queria? Aquilo foi só o começo."
Meu coração parou. Do que eles estavam falando?
Lucas continuou, a voz ainda mais sombria. "Quebrar as mãos da Isabela foi arriscado. Se alguém descobrisse..."
"Ninguém descobriu," Rafael o cortou. "E funcionou. Sem os desenhos dela, a Luana ficou perdida. E Sofia conseguiu os croquis que queria. Foi um presente perfeito que você deu a ela, Lucas. Um presente roubado."
Eu levei a mão à boca para abafar um grito. Meus desenhos. Meus desenhos não foram simplesmente roubados por capangas aleatórios. Lucas, meu Lucas, os roubou. Ele os deu para Sofia. A dor em minhas mãos latejou com uma nova intensidade, uma dor que vinha da alma.
Eles continuaram, e cada palavra era um novo prego no caixão da nossa ilusão.
"E o ataque à Luana no barracão," disse Rafael, com um tom de orgulho doentio. "Foi uma obra-prima. Três dias. O suficiente para quebrar o espírito de qualquer um. Sofia queria que ela fosse humilhada, que sentisse o medo de verdade. E nós entregamos. Tudo para agradar nossa rainha."
A imagem de Luana, frágil e quebrada, me veio à mente. A dor, o trauma, o medo que a assombravam por anos. Não foi um ataque de um rival. Foi planejado. Por eles. Pelo homem que ela amava. Pelo homem que me prometeu proteção.
A conversa tomou um rumo ainda mais aterrorizante.
"E agora tem essa história da gravidez," disse Rafael, o desprezo evidente em sua voz. "Sofia está furiosa. Ela não quer um herdeiro meu com... ela."
"O que você vai fazer?" perguntou Lucas.
"O óbvio. Aquela criança não pode nascer. A Luana foi tocada, suja. Ela não é mais pura. Imagine um filho meu vindo de um ventre impuro? Meu único arrependimento em toda essa história é não poder me casar com a Sofia. Mas um dia, quem sabe?"
Um filho... impuro. As palavras ecoaram na minha cabeça. Eles não eram salvadores. Eles eram os monstros. Eles orquestraram nossa tortura, nosso sofrimento, tudo para satisfazer a inveja de outra mulher. E agora, Rafael planejava matar o próprio filho.
Eu não conseguia mais respirar. Recuei em silêncio, as pernas tremendo. Corri para encontrar Luana, que estava radiante, conversando com outras pessoas. Puxei-a pelo braço, sem conseguir dizer uma palavra. Meu rosto devia mostrar todo o horror que eu sentia, porque ela me seguiu sem questionar até um quarto vazio.
"Isabela, o que foi? Você está pálida."
As lágrimas escorriam pelo meu rosto enquanto eu contava tudo. Cada palavra horrível, cada detalhe da traição. Vi o brilho nos olhos de Luana se apagar, a esperança ser substituída por um choque devastador. A mão que ela pousou instintivamente sobre a barriga começou a tremer.
O amor, a segurança, a felicidade. Tudo era mentira. Uma armadilha cruel.
"Temos que sair daqui," eu disse, a voz embargada. "Temos que voltar para casa, para São Paulo. Agora."
Luana assentiu, o rosto uma máscara de dor e incredulidade. Ela olhou para a própria barriga, e eu vi o amor que sentia por aquela pequena vida se transformar em puro terror. Aquele bebê, fruto de um amor que nunca existiu, era agora um alvo.
Enquanto planejávamos nossa fuga, as memórias do barracão e das minhas mãos quebradas voltaram com força total. A dor física do passado se misturava à dor insuportável da traição no presente. Não éramos vítimas de um mundo perigoso. Éramos peões no jogo sádico de pessoas que amávamos. E a noite do desfile das campeãs, o auge da magia do carnaval, seria nosso palco para a fuga.