Cem Tentativas, Um Divórcio
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Capítulo 2

O hospital cheirava a desinfetante e desespero. Sofia estava sentada na cama do quarto, o lençol branco e frio cobrindo suas pernas. A decisão já estava tomada, a dor era aguda, mas a clareza era absoluta. Ela não seria um peão no jogo doentio de Marcos.

Sua amiga e colega de trabalho, Juliana, estava ao seu lado, segurando sua mão.

"Você tem certeza, Sofia? É uma decisão enorme."

"Tenho, Ju. Mais certeza do que qualquer outra coisa na minha vida."

A enfermeira entrou com os papéis para a autorização do procedimento. Sofia os assinou sem hesitar, sua caligrafia firme apesar das mãos trêmulas. Era o fim de um capítulo, o fim de uma mentira.

Enquanto esperava pelo médico, a porta do quarto se abriu com um estrondo.

Era Marcos.

Mas ele não era Marcos. Ele estava vestido com as roupas de Lucas, o cabelo penteado de forma diferente, uma expressão de ansiedade no rosto que era uma imitação pálida da preocupação genuína de seu irmão.

"Sofia!", ele disse, a voz cheia de uma urgência forçada. Ele estava atuando como Lucas.

Sofia sentiu o estômago revirar. A audácia dele era inacreditável.

"O que você quer?", ela perguntou, a voz gelada.

Ele ignorou seu tom.

"É a Ana. Ela sofreu um colapso quando soube da... da minha morte. Ela está em estado de choque e precisa de uma transfusão de sangue urgente. O tipo sanguíneo dela é raro, RH negativo. O hospital não tem estoque suficiente."

Ele olhou para ela, seus olhos tentando transmitir a angústia de um noivo desesperado.

"Eu sei que seu tipo sanguíneo é o mesmo. Sofia, por favor, eu te imploro. Salve a Ana. Ela é tudo para mim."

A ironia era tão espessa que sufocava. Ele, fingindo ser o homem que matou, pedia a ela, a mulher que ele enganou e desprezou, para salvar a mulher por quem ele cometeu todos esses crimes.

Sofia quase riu.

"Salvar a Ana? Sua noiva?", ela disse lentamente, saboreando cada palavra. "Que interessante, 'Lucas'."

Marcos pareceu desconfortável com o tom dela, mas a urgência da situação o fez continuar.

"Sim, minha noiva. Por favor, Sofia. Pelo amor que você tinha por Marcos, me ajude. Ele gostaria que você fizesse isso."

Invocar o nome de seu eu "morto" foi a gota d'água.

"Amor por Marcos?", Sofia riu, uma risada amarga e sem alegria. "Você está falando do homem que me traía todo mês? Qual das namoradas dele você acha que eu deveria homenagear com este ato de caridade? A de janeiro, a de fevereiro, ou talvez a loira com quem ele estava na semana passada?"

O rosto de Marcos se contorceu de raiva. A máscara de 'Lucas' escorregou, revelando o monstro egoísta por baixo.

"Do que você está falando? Isso não importa agora! A vida da Ana está em jogo!"

"Não importa?", Sofia se inclinou para frente, seus olhos fixos nos dele. "Importa para mim. Importa que meu 'falecido' marido era um canalha. E importa que você, 'Lucas', parece muito familiarizado com os hábitos dele."

A raiva de Marcos explodiu. Ele deu um passo à frente, sua voz um rosnado baixo.

"Não teste minha paciência, Sofia. Você vai doar esse sangue, quer queira, quer não."

Ele pegou um copo de água da mesinha de cabeceira e o atirou contra a parede. O barulho do vidro se quebrando ecoou no quarto silencioso. Juliana gritou e se colocou na frente de Sofia.

"Fique longe dela, seu monstro!"

Marcos a empurrou para o lado com força. Ele agarrou o braço de Sofia, seus dedos apertando com força.

"Você me deve isso. Eu te salvei daquele incêndio anos atrás. Sua vida é minha para pedir o que eu quiser."

Sofia olhou para a mão dele em seu braço, depois para o rosto dele, distorcido pela fúria. A gratidão que a acorrentou por tanto tempo finalmente se transformou em pó.

Ela parou de lutar.

Seu rosto ficou calmo, vazio.

"Certo", disse ela, sua voz surpreendentemente estável. "Uma dívida. Vamos acertar as contas então."

Ela olhou para a enfermeira que assistia a tudo, aterrorizada, no canto da sala.

"Eu vou doar o sangue."

Ela se levantou, ignorando a dor em seu braço onde Marcos a segurava.

"Mas entenda isso, Marcos", ela sussurrou, tão baixo que só ele podia ouvir. "Esta é a última coisa que eu te dou. Depois disso, a dívida está paga. A vida que você salvou não lhe pertence mais. Nós estamos quites."

Marcos a arrastou para fora do quarto, em direção à sala de doação. Ele estava focado em salvar Ana, cego para a resolução de aço nos olhos de Sofia.

Enquanto a agulha entrava em sua veia e seu sangue começava a fluir para a bolsa, Sofia fechou os olhos. Cada gota que saía dela era um elo com o passado se quebrando. O sangue que ele queria para a amante dele era o preço final de sua liberdade.

Ela estava pagando a dívida. Com juros.

Quando a bolsa estava cheia, Marcos a arrancou do suporte, ansioso para levar a "salvação" para Ana. Ele nem sequer olhou para Sofia, que estava pálida e fraca na cadeira.

"Obrigado", ele murmurou, uma formalidade vazia, antes de sair correndo do quarto.

Sofia o observou ir. Uma tontura a dominou. O procedimento de aborto que ela faria em breve, combinado com a perda de sangue, era um golpe duro para seu corpo.

Ela sorriu, um sorriso fraco, mas genuíno.

"Adeus, Marcos", ela sussurrou para a porta fechada.

E então, pela segunda vez naquele dia, tudo ficou preto.

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