Ela não lhe deu chance de protestar. Chamou a enfermeira, assinou sua alta por conta própria e começou a se vestir. Marcos ficou parado, observando-a, uma mistura de irritação e suspeita em seu rosto. Ele não entendia essa nova Sofia, fria e distante. A mulher submissa que ele conhecia havia desaparecido.
Quando chegaram à mansão que um dia fora seu lar, Sofia não perdeu tempo. Ela foi direto para o quarto que dividia com Marcos e começou a arrumar suas coisas. Mas ela não estava guardando nada.
Ela pegou sacos de lixo grandes e começou a jogar tudo dentro. Roupas, joias, presentes que ele lhe dera, fotos... tudo o que a ligava a ele e àquela vida. Ela esvaziou as gavetas, o guarda-roupa, a penteadeira.
Seu celular tocou. Era Juliana.
"Amiga, estou no aeroporto com suas passagens. O voo sai em três horas. Rafael já confirmou tudo. Você consegue sair daí?"
"Consigo. Me espere."
Ela desligou e continuou seu trabalho com uma eficiência impiedosa. Em menos de uma hora, o quarto estava irreconhecível. Estava vazio, estéril, como se ela nunca tivesse vivido ali.
Ela desceu com uma única mala pequena, contendo apenas seus documentos, alguns itens essenciais e o dinheiro que tinha em sua conta pessoal.
Na sala, Marcos e Ana estavam sentados no sofá. Ana, já se recuperando, estava aninhada nos braços dele, agindo como a nova senhora da casa. Eles olharam para Sofia e sua mala, surpresos.
"Onde você pensa que vai?", perguntou Marcos, sua voz dura.
"Embora", respondeu Sofia calmamente.
Ele se levantou, furioso.
"Embora? Você não vai a lugar nenhum! Você é a viúva de Marcos! Seu lugar é aqui!"
Sofia riu, um som oco.
"Meu lugar? Este lugar nunca foi meu. E quanto a ser sua viúva... Marcos está morto. A dívida está paga. Eu estou livre."
Ana olhou para Marcos, confusa.
"Querido, do que ela está falando? Por que ela está agindo assim?"
Marcos forçou um sorriso para Ana, passando a mão em seu cabelo.
"Não se preocupe, meu amor. Ela só está de luto, não sabe o que diz." Ele se virou para Sofia, o sorriso desaparecendo. "Nós vamos jantar em família esta noite. Para celebrar a recuperação da Ana. Você vai ficar."
Não era um pedido. Era uma ordem.
Sofia deu de ombros.
"Tudo bem. Um último jantar."
O jantar foi uma tortura. Dona Helena, Marcos e Ana sentaram-se à mesa, agindo como uma família feliz. Eles conversavam sobre o futuro, sobre como "Lucas" assumiria os negócios da família, sobre o casamento deles que aconteceria em breve.
Ninguém falou com Sofia. Ninguém olhou para ela. Ela era uma fantasma na mesa.
Marcos só tinha olhos para Ana. Ele colocava a comida favorita dela em seu prato, ignorando completamente que Sofia era alérgica a frutos do mar, que compunham a maior parte do menu.
Sofia não comeu nada. Ela apenas observou o teatro, o nojo crescendo dentro dela.
No meio do jantar, ela se levantou.
"Com licença. Não estou me sentindo bem. Vou para o meu quarto."
Ninguém pareceu se importar.
Ela subiu as escadas, pegou sua mala e desceu silenciosamente pela escada de serviço. Ela saiu pela porta dos fundos, chamou um táxi que já a esperava na esquina e foi direto para o aeroporto.
Ela não olhou para trás.
Horas depois, na mansão Almeida, a farsa continuava. Marcos e Ana subiram para o quarto que antes pertencia a Marcos e Sofia. Ao abrir a porta, eles pararam, chocados.
O quarto estava completamente vazio. O guarda-roupa aberto revelava cabides vazios. As gavetas estavam abertas e limpas. Não havia um único vestígio de Sofia Lima.
"O que... o que é isso?", gaguejou Ana.
Marcos correu pelo quarto, abrindo e fechando portas, como se não pudesse acreditar no que via.
"Ela se foi", ele rosnou, a raiva distorcendo seu rosto. "Aquela desgraçada... ela realmente foi embora."
Naquele exato momento, o celular de Marcos (o celular de "Lucas") tocou. Era um número desconhecido.
"Alô?"
"Senhor Almeida? Aqui é o Sargento Costa, da polícia de trânsito. Estamos ligando sobre um acidente. Uma testemunha anotou a placa do seu carro em uma batida seguida de fuga esta noite. Uma pessoa ficou gravemente ferida."
Marcos franziu a testa.
"Deve haver algum engano. Eu não saí de casa esta noite."
"O carro está registrado em nome de Sofia Lima, sua cunhada. Uma testemunha a viu saindo do local do acidente. Precisamos que ela venha à delegacia para prestar esclarecimentos."
O sangue de Marcos gelou. Sofia. Ela tinha usado o carro dela. Mas por quê?
"Onde ela está agora?", perguntou a polícia.
Marcos olhou ao redor do quarto vazio.
"Eu não sei."
Ele desligou o telefone, uma sensação terrível se apoderando dele. Sofia não apenas o abandonou. Ela o incriminou.
Ou pior. Alguém a incriminou. E ela estava desaparecida.
---