Cinco anos. Cinco anos desde que se casou com Ana, a mulher que ele amava. Cinco anos de trabalho incessante, de um emprego para o outro, de dias que se emendavam com as noites. Tudo para pagar as dívidas que ela acumulou após um investimento fracassado que a levou à falência, e, mais importante, para pagar o tratamento caríssimo de Lucas, o filho deles de quatro anos, que nasceu com um problema cardíaco grave.
Ele se levantou com dificuldade, a coluna estalando em protesto. Olhou para o relógio na parede. Em duas horas, precisava estar no lava-rápido, seu primeiro emprego do dia. Não havia tempo para descanso, não havia tempo para nada além de trabalhar. Ele vivia para eles, para Ana e Lucas. Acreditava que estavam sofrendo juntos, lutando juntos para sair daquele buraco.
Mais tarde, no lava-rápido, o sol da manhã já castigava sua pele. Ricardo passava a esponja com força na lataria de uma Mercedes preta reluzente. O dono, um homem de terno caro, esperava impaciente. Enquanto limpava o interior do carro, algo chamou sua atenção. No banco do passageiro, um celular vibrava. Por um instante, Ricardo pensou em ignorar, mas a tela acendeu, revelando a foto de papel de parede.
Seu mundo parou.
Era Ana.
Ela sorria, radiante, abraçada a um homem que ele nunca tinha visto. Estavam em um iate, com o mar azul ao fundo. Ana usava um vestido de seda que ele sabia que custaria mais do que ele ganhava em seis meses. O homem ao lado dela usava um relógio de ouro que brilhava mesmo na pequena tela do celular.
Ricardo sentiu o ar faltar. Sua mão tremia. Ele abriu a galeria de fotos, o coração martelando no peito. Havia dezenas de fotos. Ana em festas de luxo, Ana em restaurantes caros, Ana beijando aquele homem. E em uma das fotos, uma criança, um menino que não era Lucas, brincava com eles, usando roupas de grife.
Uma náusea forte subiu por sua garganta. A falência, o sofrimento, a luta... era tudo uma mentira?
Naquele exato momento, seu próprio celular, um aparelho velho e remendado com fita adesiva, tocou. Era do hospital.
"Senhor Ricardo?" A voz da enfermeira era urgente.
"Sim, sou eu. Aconteceu alguma coisa com o Lucas?"
"O estado dele piorou drasticamente durante a noite. O Dr. Mendes precisa falar com o senhor com urgência. Ele precisa de um transplante de coração. Imediatamente."
O chão pareceu desaparecer sob seus pés. Transplante. A palavra ecoou em sua mente, carregada de desespero e de um custo impossível.
"Já... já tem um doador?" ele gaguejou.
"Conseguimos um coração compatível, é um milagre. Mas a cirurgia precisa ser paga adiantado. O senhor precisa vir ao hospital agora."
Desligou o telefone, o corpo todo tremendo. O dinheiro. De onde ele tiraria tanto dinheiro? Ele olhou para a Mercedes, para o celular com as fotos de Ana, e um ódio frio começou a se formar em seu peito, um ódio que ele nunca pensou ser capaz de sentir.
Ele abandonou o carro, ignorando os gritos do proprietário, e correu. Correu sem rumo pelas ruas, a mente em um turbilhão. Ele não tinha nada, absolutamente nada. Ana o havia enganado, o havia deixado sem um centavo.
Então, uma ideia desesperada, terrível, tomou forma em sua mente. Ele se lembrou de uma conversa que ouviu uma vez, sobre clínicas clandestinas, sobre o mercado negro de órgãos. Era sua única chance.
Ele encontrou o endereço num beco sujo e malcheiroso. O lugar era sombrio, com um cheiro de mofo e produtos químicos. Um homem de aparência sinistra o atendeu.
"O que você quer?"
"Eu... eu preciso de dinheiro. Rápido. Eu vendo um rim." A voz de Ricardo saiu como um sussurro rouco.
O homem o analisou de cima a baixo, um sorriso desdenhoso no rosto. "Você sabe quanto vale isso? Mal vai dar para pagar a entrada da cirurgia do seu filho."
Ricardo não se importou. Qualquer coisa era melhor que nada. Ele precisava tentar.
Enquanto esperava, sentado em uma cadeira de metal fria, ele pegou o celular e ligou para Ana. Precisava acreditar que havia um engano, que ela o ajudaria. O telefone chamou várias vezes antes que ela atendesse.
"Alô?" A voz dela estava sonolenta e um pouco ofegante.
"Ana! É o Ricardo! O Lucas... ele piorou! Precisa de um transplante de coração urgente! Eu preciso de dinheiro, Ana, por favor!"
Houve uma pausa. Ao fundo, ele pôde ouvir a voz de um homem e um som que pareceu um gemido abafado.
"Ah... Ricardo. Que péssima notícia." A voz dela era fria, distante. "Olha, agora estou muito ocupada numa reunião de investimentos importante. Não posso falar. A gente se fala depois."
"Ana, não! Você não entende! É vida ou morte! Ele vai morrer!"
"Não seja tão dramático, Ricardo. Os médicos sempre exageram. Tenho que ir agora, estou tentando garantir nosso futuro, lembra? Para sairmos dessa vida de miséria."
E antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, ela desligou.
O som do telefone mudo foi o som mais alto que Ricardo já ouviu. O futuro. Miséria. As palavras ecoaram em sua mente vazia, enquanto a realidade caía sobre ele com o peso de uma laje de concreto. Ele estava completamente sozinho.