A pasta estava cheia de vídeos e arquivos de áudio. O primeiro vídeo que ele abriu mostrava uma festa de aniversário. Era para o menino loiro do iate. O lugar estava decorado com balões caros, havia um bolo de três andares e uma montanha de presentes. Ana e Miguel estavam lá, usando roupas de festa combinando, como uma família de comercial de televisão. Eles cantaram "Parabéns" para o menino, que Miguel chamava de "meu campeão".
Ricardo sentiu uma dor aguda no peito. No último aniversário de Lucas, ele conseguiu comprar um cupcake e uma única vela. Ana nem sequer ligou.
Ele abriu outro vídeo. Ana, Miguel e o menino estavam num parque de diversões, rindo em uma montanha-russa. Em outro, estavam montando um quebra-cabeça caríssimo no chão de uma sala de estar luxuosa. Eram cenas de uma vida familiar perfeita, a vida que ele sonhava ter, sendo vivida por ela com outro homem, com outro filho.
Então, ele viu os arquivos de áudio. O primeiro era uma gravação de uma conversa entre Ana e Miguel. A qualidade era cristalina.
"Você tem que admitir, meu amor, eu ganhei a aposta," dizia a voz de Miguel, cheia de presunção.
"Ainda não acabou," respondeu Ana, a voz dela soando divertida. "O teste de humanidade ainda não terminou. O Ricardo ainda está se segurando."
"Teste de humanidade?" Miguel riu. "Você chama isso de teste? É tortura. O cara se mata de trabalhar, o filho dele está à beira da morte, e ele ainda acredita em você. Ele é o maior idiota que eu já vi."
"Exatamente! E é isso que torna tudo tão excitante," disse Ana. "Eu apostei com você que ele aguentaria qualquer coisa por mim e pelo 'nosso' filho. Que a bondade e a ingenuidade dele não teriam limites. Você apostou que ele desistiria quando a situação do menino ficasse crítica."
Ricardo sentiu o sangue fugir de seu rosto. Uma aposta. Um jogo. Sua vida, a vida de seu filho, era um jogo cruel para entretê-los.
"E o prêmio?" continuou Miguel. "Se você ganhar, eu te dou o controle de 51% da Andrade Investments. Se eu ganhar, você se casa comigo e esquece essa farsa de casamento com o pobre coitado."
"Não se preocupe, querido. Eu vou ganhar. Aquele filho doente é a coleira perfeita. Enquanto o Lucas precisar de mim, o Ricardo nunca vai me abandonar. Ele vai rastejar, vai implorar, vai vender a alma se for preciso. E eu vou provar a você que não existe nada como amor ou lealdade incondicional quando se trata de pessoas como ele. Tudo tem um preço."
Ricardo sentiu como se seus órgãos internos estivessem sendo esmagados. A voz dela, a mesma voz que um dia sussurrou promessas de amor em seu ouvido, agora falava da doença de seu filho como uma ferramenta, uma peça num tabuleiro.
"E o que faremos com o filho do caipira quando isso acabar?" perguntou Miguel.
"Quem se importa? O destino dele não é problema nosso. Ele é só um dano colateral. O importante é o que o sofrimento dele pode nos proporcionar. Dinheiro, poder... é isso que importa no mundo real, Miguel. Não os sentimentos de um Zé-ninguém."
Ricardo arrancou os fones de ouvido como se estivessem em chamas. Ele correu para o banheiro imundo da lan house e vomitou. Vomitou a comida barata, a bile amarga, a dor e o nojo. Ele olhou para seu reflexo no espelho quebrado. O homem que o encarava de volta estava com os olhos vermelhos, o rosto pálido e devastado.
Ele se lembrou de como conheceu Ana. Ela era uma aspirante a atriz, bonita e ambiciosa. Ele, um simples operário. Ela tinha sido boicotada pela indústria, e ele a apoiou. Vendeu sua pequena casa, herança de seus pais, para que ela pudesse abrir seu próprio negócio. O negócio que, segundo ela, tinha falido miseravelmente. Tudo mentira. Cada palavra. Cada sacrifício.
Ele voltou para o computador, o corpo tremendo de uma raiva gelada. Ele copiou os arquivos para seu celular velho. Aquela era sua única arma.
Quando voltou para o hospital, ele teve que se forçar a parecer normal. Lucas estava acordado, assistindo a um desenho na pequena TV do quarto.
"Papai!" ele disse, animado. "Onde você estava?"
Ricardo se ajoelhou ao lado da cama, engolindo o nó na garganta. Ele limpou as lágrimas discretamente antes de se virar para o filho.
"Papai foi resolver umas coisas, meu filho. Coisas importantes, pra você ficar bom logo."
Ele forçou o sorriso mais convincente que conseguiu. Por dentro, ele estava gritando. Um grito silencioso de um homem que tinha perdido tudo, até mesmo a memória de um amor que ele agora sabia que nunca existiu. Ele precisava ser forte. Não por Ana, não mais. Apenas por Lucas.