Ele a encontrou facilmente. O iate era o maior e mais extravagante do cais. O nome, "Queen Ana", estava gravado em letras douradas na popa. Era uma piada de mau gosto.
Ana estava no convés, rindo alto, com uma taça de champanhe na mão. Miguel estava ao seu lado, o braço em volta de sua cintura. Havia outras pessoas, todas ricas e bem-vestidas. E havia a outra criança, o menino loiro, correndo pelo convés com um brinquedo caro.
"Mamãe, olha!" o menino gritou, mostrando um pequeno barco a motor que flutuava na água.
"Que lindo, meu amor!" respondeu Ana, com uma ternura na voz que Ricardo não ouvia há anos.
Aquela cena o quebrou. Era uma família. Uma família feliz e rica. E ele e Lucas eram o que? Um erro? Um fardo?
Ele respirou fundo e subiu a rampa de acesso ao iate. Sua presença foi notada imediatamente. As conversas pararam. Todos os olhos se voltaram para ele, para suas roupas velhas e manchadas de graxa, para seu rosto cansado e sujo.
Ana o viu. O sorriso congelou em seu rosto. Foi substituído por uma máscara de irritação e vergonha.
"Ricardo? O que você está fazendo aqui?" a voz dela era um sussurro cortante.
Miguel se aproximou, olhando para Ricardo com desprezo. "Quem é esse, querida? Um mendigo que se perdeu?"
"Ele... ele é..." Ana hesitou.
"Eu sou o marido dela," disse Ricardo, a voz firme, apesar do tremor em suas mãos. "E o pai do filho dela, que está morrendo em um hospital."
Um silêncio constrangedor tomou conta do convés. Ana ficou pálida.
"Não dê ouvidos a ele," disse ela rapidamente para Miguel. "Ele está transtornado, não sabe o que diz."
Ricardo deu um passo à frente. "Ana, precisamos conversar. É sobre o Lucas. A cirurgia..."
"Agora não é hora, Ricardo," ela o interrompeu, agarrando seu braço e tentando puxá-lo para um canto. "Você está fazendo uma cena! Está me envergonhando!"
Miguel riu. Uma risada cruel e debochada. "Marido? Esse trapo? Ana, querida, seu gosto para caridade é realmente peculiar."
Ele tirou uma carteira de couro de crocodilo do bolso e puxou um maço grosso de notas de cem. Ele jogou o dinheiro no chão, aos pés de Ricardo. As notas se espalharam pelo convés de madeira.
"Tome. Isso deve ser suficiente para comprar um pouco de silêncio. Agora suma daqui antes que eu chame a segurança para te jogar no mar."
Ricardo olhou para o dinheiro no chão. Era mais do que ele tinha visto em toda a sua vida. E era oferecido como um osso a um cachorro. A humilhação queimou seu rosto, mais quente que o sol. O nariz ardeu, e ele teve que lutar para não chorar ali, na frente de todos.
"Eu não quero seu dinheiro sujo," ele disse, a voz embargada. "Eu quero minha esposa. Eu quero que você ajude nosso filho."
Ana o olhou com puro nojo. Ela olhou para as mãos dele, para as unhas sujas de graxa e os calos. Olhou para a mancha de suor em sua camisa surrada.
"Olhe para você, Ricardo. Você é patético," ela cuspiu as palavras. "Como você ousa aparecer aqui assim? Você me dá nojo."
Ela se virou para Miguel. "Vamos embora daqui, querido. Esse cheiro de pobreza está me dando dor de cabeça."
Miguel colocou o braço em volta dela e a guiou para longe, rindo com os outros convidados. Eles o deixaram lá, sozinho no meio do convés, com o dinheiro espalhado a seus pés.
Ele se abaixou e juntou cada nota, as mãos tremendo de raiva e vergonha. Ele precisava daquele dinheiro. Lucas precisava daquele dinheiro. Seu orgulho não valia a vida de seu filho.
Quando ele estava saindo do iate, de cabeça baixa, um dos garçons que servia a festa se aproximou dele discretamente.
"Senhor," o rapaz sussurrou, olhando nervosamente para os lados. "Eu não deveria estar fazendo isso, mas... eu ouço coisas. A senhora Ana... ela não é quem parece ser. Pegue isso."
O garçom enfiou um pequeno envelope em sua mão. Dentro, havia um pen drive.
"Veja o que tem aí. Talvez o ajude a entender."
Ricardo apertou o pen drive na mão. Era pequeno e frio. Ele olhou para o iate, para a festa que continuava como se nada tivesse acontecido. Ele sentia que aquele pequeno objeto continha a chave para o inferno que sua vida havia se tornado. Ele foi até um lan house barato, o único lugar onde poderia acessar o conteúdo daquele dispositivo. Com as mãos trêmulas, ele inseriu o pen drive no computador, sentindo um medo gelado do que estava prestes a descobrir.