Uma parte que eu tinha reprimido, esquecido?
A porta da cela se abriu com um rangido, e a Detetive Costa entrou, acompanhada por um homem de terno que eu não reconheci.
"Lívia, temos algumas perguntas sobre o seu passado", disse Costa, seu tom ainda hostil.
Ela abriu uma pasta e tirou alguns papéis.
"Seu prontuário médico indica que você foi diagnosticada com ansiedade pós-parto severa após o nascimento do Leo, é verdade?"
Meu coração afundou, eles estavam cavando, procurando qualquer coisa para solidificar o caso contra mim.
"Sim, é verdade", eu admiti, minha voz um sussurro. "Foi um período muito difícil, eu me sentia sobrecarregada, deprimida, mas eu procurei ajuda, eu melhorei, isso foi há seis anos."
"Seu marido não parece concordar", ela retrucou, entregando-me uma transcrição.
Era o depoimento de Ricardo, ele descrevia meu período de depressão pós-parto em detalhes excruciantes, exagerando meus medos, minhas lágrimas, pintando um quadro de uma mulher à beira de um colapso nervoso.
Ele fez parecer que eu nunca tinha me recuperado completamente.
Enquanto eu lia, flashes de memória daquela época me assaltaram, eu me lembrava de chorar no meio da noite, sentindo-me inadequada como mãe, com medo de machucar acidentalmente o bebê.
Lembro-me de uma vez em que deixei o Leo com Ricardo e saí de casa, apenas para dirigir sem rumo por horas, sentindo como se estivesse me afogando.
Eram memórias dolorosas, mas eram memórias de uma mulher doente, lutando, não de uma assassina.
Ricardo estava usando minha vulnerabilidade passada contra mim, torcendo a verdade para se adequar à sua narrativa.
A porta se abriu novamente e Ricardo entrou, seu rosto uma máscara de preocupação forçada.
"Lívia, eles me perguntaram sobre... sobre aquela época", ele disse, sua voz suave. "Eu só disse a verdade, querida, você não estava bem."
"Aquilo foi há anos, Ricardo!", eu disse, levantando-me, a raiva me dando uma onda de força. "Eu estava doente, mas me recuperei! Você sabe disso! Você estava lá, você me apoiou!"
"Eu sei, eu sei", ele disse, tentando me acalmar. "Mas talvez... talvez tenha voltado, talvez todo o estresse do seu trabalho... talvez você tenha tido um surto e não se lembra."
Suas palavras eram como veneno, se infiltrando em minhas dúvidas, alimentando meus piores medos.
"Eu não estou louca, Ricardo!", eu gritei, agarrando as barras da cela. "Eu não matei nosso filho!"
"A polícia acredita que sua doença mental pode ter sido o gatilho, Lívia", disse a Detetive Costa, sua voz fria e calculista. "Uma recidiva, um episódio psicótico, explicaria a violência, a falta de memória."
Eu olhei de seu rosto para o de Ricardo, e o mundo começou a girar.
Eles estavam construindo uma gaiola ao meu redor, não apenas de barras de aço, mas de dúvidas e mentiras.
E a parte mais terrível era que eu estava começando a acreditar neles.
Minha mente se tornou um campo de batalha, minhas memórias reais lutando contra a possibilidade aterrorizante de uma realidade alternativa, uma onde eu era o monstro que todos diziam que eu era.
Eu comecei a tremer, um tremor que começou em minhas mãos e se espalhou por todo o meu corpo.
Eu me abracei, tentando me manter inteira, mas estava me despedaçando por dentro.
Será que eu realmente perdi o controle? Será que uma parte de mim se partiu sem que eu percebesse?
O medo era tão intenso que era físico, um nó apertado no meu estômago, um peso no meu peito que dificultava a respiração.
Eu olhei para minhas próprias mãos, as mesmas mãos que tinham embalado meu filho, que tinham feito seu sanduíche naquela manhã, e me perguntei se elas eram capazes de empunhar uma faca com tanta crueldade.
O Inspetor Alves, que tinha ficado em silêncio até então, se aproximou.
"Lívia, dada a sua história e sua atual falta de memória sobre o evento, decidimos que uma avaliação psiquiátrica forense completa é necessária", ele anunciou.
"Vamos trazer um especialista para falar com você, para tentar entender o que aconteceu em sua mente."
Uma avaliação psiquiátrica.
Eles iam me analisar, me dissecar, procurar a loucura que eles acreditavam estar lá.
Uma parte de mim sentiu um pingo de esperança, talvez um especialista pudesse provar que eu estava sã.
Mas outra parte, a parte que estava sendo corroída pela dúvida, sentiu um terror profundo.
E se eles encontrassem o que estavam procurando?
E se eles confirmassem que a mulher no vídeo, a mãe demônio, era realmente eu?