A sua voz era a mesma voz gentil que ele conhecia, a mesma que o enganara durante tanto tempo. Mas agora, soava oca, calculada. Ele sabia que cada gesto de carinho era para o benefício de Conrad, um lembrete subtil de que ela podia ter quem quisesse.
Ele apenas abanou a cabeça.
O telemóvel de Raegan tocou, interrompendo a farsa. Ela olhou para o ecrã e a sua expressão mudou instantaneamente.
"O quê? Como assim ele caiu?" a sua voz estava cheia de pânico. Ela levantou-se abruptamente, a sua cadeira a raspar ruidosamente no chão.
Conrad, que tinha ido à casa de banho, estava a voltar para a mesa, mas tropeçou num tapete e caiu, torcendo o tornozelo. Ele soltou um gemido de dor.
Num instante, Raegan estava ao lado dele. "Conrad! Estás bem? Dói muito? Consegues mexer o pé?"
Ela ajoelhou-se no chão, a sua preocupação era palpável, genuína. Ela segurou o tornozelo dele com uma delicadeza que Darryl nunca tinha visto antes. Todo o seu foco estava em Conrad. As suas amigas, o café cheio de gente, e Darryl-todos desapareceram.
Ela ajudou Conrad a levantar-se, apoiando-o com todo o seu corpo. "Vou levar-te ao hospital. Vamos."
Ela nem sequer olhou para trás. Nem um único olhar na direção de Darryl. Ele foi completamente esquecido, deixado para trás na mesa com os pratos meio comidos e a conta por pagar.
Ele percebeu então, com uma clareza dolorosa, que o seu papel no jogo tinha terminado. A peça de isco já não era necessária.
Ele levantou-se lentamente, deixou algum dinheiro na mesa para cobrir a sua parte e saiu do café. O ar fresco pareceu-lhe um bálsamo. Ele caminhou sem rumo pelas ruas do Porto, sentindo-se vazio e estranhamente livre.
Nos dias seguintes, Darryl dedicou-se a uma limpeza metódica. Ele esvaziou o seu quarto na mansão. Roupas, livros, artigos de higiene pessoal-tudo o que Raegan lhe tinha comprado foi para sacos do lixo. Ele deixou apenas as poucas coisas que trouxera consigo da sua antiga casa.
Enquanto trabalhava, as memórias assaltavam-no. A lembrança de Raegan a rir enquanto tentavam cozinhar juntos naquela cozinha enorme. A lembrança dela a abraçá-lo na varanda enquanto viam o pôr do sol sobre o oceano.
Cada memória era agora manchada pela verdade. Eram momentos felizes, mas eram falsos. Eram uma repetição, um roteiro que ela já tinha vivido com outro homem.
Uma tarde, ele estava a arrumar os últimos itens quando ouviu vozes no hall de entrada. Raegan tinha chegado. E não estava sozinha.
"Vou instalar-te no quarto de hóspedes principal," ouviu-a dizer. "É o mais confortável."
Darryl sentiu um aperto no peito. O quarto de hóspedes principal era o seu quarto.
Ele saiu para o corredor e viu-os. Raegan estava a ajudar Conrad, que ainda mancava ligeiramente, a subir as escadas.
"Ah, Darryl," disse Raegan, notando-o. "Esqueci-me de te dizer. O Conrad vai ficar aqui até o tornozelo dele sarar. A casa dele não é segura para ele agora."
Ela olhou para o quarto dele, que estava agora quase vazio, com sacos de lixo encostados a uma parede. "O que é isto? Estás a fazer uma limpeza de primavera?"
"Sim," respondeu Darryl, a sua voz monótona. "Apenas a livrar-me de algumas coisas velhas."
Ele olhou para Conrad, que estava a examinar o seu novo alojamento com um ar de proprietário. Darryl percebeu a sua posição. Ele não era um residente. Ele era propriedade. E o verdadeiro mestre da casa tinha regressado.
Conrad não perdeu tempo a fazer-se sentir em casa.
"Raegan, querida," disse ele no dia seguinte, "estes azulejos na casa de banho são horríveis. Temos de os mudar."
"E este quarto," continuou ele, referindo-se ao antigo quarto de Darryl, "a cor da parede é deprimente. Vamos pintá-lo."
Raegan concordou com tudo, ansiosa por agradar.
Darryl observou as equipas de trabalho a entrar e a sair, a desmantelar o que tinha sido o seu santuário. Ele sentiu uma mistura de tristeza e alívio. Cada martelada, cada azulejo partido, era um passo mais perto da sua partida.
A sua liberdade estava a aproximar-se.