A porta da adega abriu-se de repente, inundando o espaço escuro com luz. Raegan estava lá, a sua silhueta recortada contra a iluminação do corredor.
"O que é que disseste?" a sua voz era cortante. "Do que é que te arrependes?"
Darryl olhou para ela, os seus olhos desfocados pela febre e pelas lágrimas. O esforço de falar, a onda de emoção, foi demais para ele. O mundo girou e depois ficou preto. Ele desmaiou no chão frio.
Quando acordou, estava num quarto de hospital. O cheiro a antisséptico enchia as suas narinas. Uma intravenosa estava ligada ao seu braço.
Raegan estava sentada numa cadeira ao lado da sua cama, a olhar para ele com uma expressão indecifrável. Ela estendeu a mão para tocar na sua testa.
Instintivamente, Darryl recuou, encolhendo-se do seu toque. A memória da sua fúria, da porta da adega a fechar-se, estava demasiado fresca.
A mão de Raegan pairou no ar por um momento antes de cair. Uma sombra de mágoa passou pelo seu rosto.
"O médico disse que tens uma febre alta e exaustão," disse ela em voz baixa. "Precisas de descansar."
Ela colocou algo na mesa de cabeceira. Era o relógio do seu pai, o vidro substituído, a caixa de prata polida. Parecia novo.
"Mandei repará-lo," disse ela. "Sobre o que aconteceu... vamos esquecer. O Conrad exagerou. Tu também. Está resolvido."
Resolvido. Ela pensava que podia partir a sua herança mais preciosa, trancá-lo numa adega durante horas e depois "resolver" tudo com uma reparação e algumas palavras superficiais.
Darryl olhou para ela, a sua voz rouca mas firme. "Sra. Lawrence, obrigado por reparar o relógio. E obrigado por me pagar. Vou lembrar-me do meu lugar. Sou seu empregado. Vou manter a minha distância e não lhe causarei mais problemas."
Ele usou "Sra. Lawrence" de propósito. Ele estava a traçar uma linha, a reafirmar a natureza transacional do seu acordo. Acabou-se a ilusão de intimidade.
O rosto de Raegan contraiu-se. "O que é que estás a dizer? Pára com essa parvoíce."
"Não é parvoíce," disse ele, olhando diretamente para ela. "É a verdade. É o que eu sou para si, não é?"
A raiva brilhou nos olhos dela. "Darryl, não me provoques."
O telemóvel dela tocou, interrompendo a tensão. Era Conrad. A expressão de Raegan suavizou-se instantaneamente.
"Conrad? Sim... Sim, estou no hospital com ele... Não, não é nada de grave... Claro, vou já para aí."
Ela desligou e levantou-se, a sua frustração com Darryl já esquecida. A sua prioridade era clara.
"Tenho de ir," disse ela, já a dirigir-se para a porta. "O Conrad precisa de mim. Fica aqui e recupera."
E assim, ela foi-se embora. Deixou-o novamente sozinho, trocado pelo homem que ela realmente amava.
Durante os dias seguintes, enquanto recuperava no hospital, os criados da mansão, que sentiam pena dele, mantinham-no a par das novidades.
"A Sra. Lawrence redecorou todo o antigo quarto do Sr. Acosta para o Sr. Gordon."
"Ela despediu o chef porque o Sr. Gordon não gostou do seu bacalhau à Brás."
"Eles passam todas as noites juntos na varanda, a beber vinho do Porto. Parecem muito felizes."
Cada notícia era mais uma prova. Darryl ouvia em silêncio, o seu coração a tornar-se cada vez mais frio e dormente.
Ele finalmente entendeu. Para Raegan, o amor, a atenção e o cuidado genuínos estavam reservados apenas para uma pessoa: Conrad Gordon.
Ele, Darryl, nunca fora mais do que um animal de estimação. Um substituto conveniente para aquecer a cama dela até o verdadeiro dono do seu coração regressar. E agora que ele tinha regressado, o animal de estimação já não era necessário.