"Cuidado, menina" , ela disse, sua voz um sussurro rouco. "A inveja usa o rosto de um amigo, e a traição se esconde no beijo de um amante. Seu sonho será roubado por quem você mais ama" .
Eu dei um passo para trás, desconfortável.
"Desculpe, senhora, eu preciso ir" .
Eu a ignorei, acelerando o passo. Palavras de uma velha maluca, nada mais. Mas enquanto eu caminhava, a semente da dúvida foi plantada. Uma inquietação fria começou a se espalhar pelo meu peito. Descartei o sentimento, focando na confiança que eu tinha em Sofia e Pedro. Eles jamais me fariam mal.
Dois dias depois, a premonição daquela mulher se tornou um pesadelo. Eu voltei ao estúdio para buscar uma fita de cabelo que havia esquecido. A porta estava entreaberta, e ouvi vozes lá dentro. As vozes de Sofia e Pedro.
Parei, com a mão na maçaneta.
"Você tem certeza que vai dar certo, Pedro?" , a voz de Sofia era um sibilo carregado de ansiedade e ganância. "E se alguém descobrir?"
"Ninguém vai descobrir" , Pedro respondeu, e o tom dele, normalmente tão carinhoso, soava fraco, manipulado. "Eu troco as partituras dela na hora. Ela vai dançar a coreografia errada na frente de todos. Vai ser um desastre. O Mestre de Balé vai odiá-la. A vaga será sua, ou minha" .
"Nossa" , Sofia o corrigiu. "A vaga será nossa. E quando ela estiver arrasada, você sabe o que fazer. Você termina com ela. Eu estarei te esperando" .
Um silêncio. E então, o som inconfundível de um beijo.
Meu mundo desabou. O ar pareceu ser sugado dos meus pulmões. Cada respiração era uma facada. Eu me apoiei na parede fria do corredor, o suor gelado escorrendo pela minha testa. A conversa deles era a chave que destrancava uma série de memórias estranhas dos últimos meses. A vez que minha sapatilha rasgou misteriosamente antes de uma apresentação importante. O "acidente" em que Sofia derramou suco no meu figurino. As palavras de "apoio" de Pedro que, em retrospecto, sempre pareciam minar minha confiança.
Tudo era parte do plano deles. Uma conspiração longa e cruel.
A humilhação, a dor, a raiva. Eram ondas me afogando. Eu corri dali, sem rumo, as lágrimas cegando minha visão. E então, como se guiada por uma força invisível, me vi de volta à mesma rua onde encontrei a velha senhora. Ela estava lá, sentada em um banco, como se estivesse me esperando.
"Eles te traíram, não foi?" , ela disse, sem surpresa.
Eu apenas assenti, incapaz de falar, os soluços rasgando minha garganta.
"Existe uma maneira de devolver o que eles te deram" , ela continuou, seus olhos fixos nos meus. "O azar, a humilhação. Você pode transferir a maldição que eles lançaram sobre você de volta para eles. Mas o preço é alto. Exige dor" .
Desesperada, eu não hesitei.
"Eu faço qualquer coisa" .
Ela me levou para um pequeno apartamento nos fundos de um prédio antigo. O lugar cheirava a ervas secas e incenso. Ela me deu um pequeno amuleto de madeira escura, com entalhes estranhos.
"Isto guardará a energia da sua dor" , explicou ela. "Durante o ritual, você vai focar em toda a traição, em toda a sua angústia. O amuleto vai absorver tudo. Depois, você o dará a um deles. A maldição só se prende a quem tem o coração cheio de maldade. Quanto mais mal eles te desejarem, mais forte a maldição ficará neles" .
Naquela noite, passei pelo ritual mais doloroso da minha vida. Com uma agulha de prata esterilizada, a velha senhora fez um pequeno corte na minha mão, deixando o sangue pingar sobre o amuleto enquanto eu me forçava a reviver cada momento da traição, cada palavra, cada beijo roubado. A dor física não era nada comparada à agonia em minha alma. Eu chorei até não ter mais lágrimas, sentindo o amuleto em minha mão ficar estranhamente quente.
Quando tudo acabou, eu estava exausta, mas uma nova e fria determinação havia tomado o lugar do desespero. Eles queriam me destruir. Agora, eu usaria a escuridão deles contra eles mesmos.