Dois dias depois, recebi alta do hospital.
A Eva ajudou-me a fazer as malas, o seu rosto uma máscara de preocupação.
"Tens a certeza disto, Sofia? Talvez devesses falar com o Lucas primeiro."
"Não há nada para falar," respondi, dobrando uma camisa com uma precisão mecânica. "As ações dele falaram mais alto do que quaisquer palavras."
Quando chegámos a casa, a casa que partilhava com o Lucas, estava estranhamente silenciosa.
Uma mala estava junto à porta. Não era minha.
Era da Clara.
O meu coração deu um salto doloroso, mas forcei-me a manter a calma.
Entrei na sala de estar.
O Lucas estava sentado no sofá, a cabeça entre as mãos. O Senhor Matias e a minha sogra, a Senhora Helena, estavam sentados em frente a ele, com expressões sombrias.
E ali, ao lado do Lucas, a consolar o seu ombro, estava a Clara.
Ela usava um dos meus roupões de seda.
A cena era tão surreal, tão descaradamente desrespeitosa, que por um momento pensei que estava a alucinar.
Ninguém pareceu notar a minha chegada até a Eva pigarrear.
"O que é que ela está a fazer aqui?" A voz da Eva era afiada.
O Lucas levantou a cabeça. Os seus olhos estavam vermelhos e inchados, mas não por minha causa.
"Sofia," disse ele, a sua voz rouca. "Precisamos de conversar."
A Clara olhou para mim, os seus olhos a brilhar com um triunfo mal disfarçado.
"Sofia, lamento muito a tua perda," disse a Senhora Helena, a sua voz desprovida de qualquer calor genuíno. "Mas agora não é a melhor altura."
"Não é a melhor altura?" Ri-me, um som oco e amargo. "Não é a melhor altura para eu voltar para a minha própria casa?"
O meu olhar fixou-se no Lucas. "Tira-a daqui."
O Lucas hesitou, olhando da Clara para mim.
"Sofia, sê razoável. O avô acabou de falecer. A Clara está aqui para me apoiar."
"Apoiar-te? E eu? Onde estavas tu quando eu precisei de apoio? Onde estavas tu quando eu estava quase a morrer?"
A minha voz subiu, a calma que eu tinha mantido com tanto esforço a estilhaçar-se.
O Senhor Matias levantou-se abruptamente.
"Chega! Mostra algum respeito! Estamos de luto!"
"Respeito?" Virei-me para ele, a raiva a ferver dentro de mim. "Vocês pedem-me respeito quando a amante do meu marido está sentada na minha sala, a usar as minhas roupas? Vocês têm alguma noção de decência?"
A palavra "amante" pairou no ar, pesada e feia.
A Senhora Helena ofegou. O rosto do Lucas endureceu.
A Clara começou a chorar, lágrimas silenciosas a escorrer pelo seu rosto.
"Eu não sou uma amante," soluçou ela. "O Lucas e eu... nós só nos preocupamos um com o outro. Eu nunca quis magoar-te."
"Então sai," disse eu, a minha voz fria como gelo. "Se realmente não queres magoar-me, pega nas tuas coisas e desaparece da minha vida."
O Lucas finalmente levantou-se, colocando-se entre mim e a Clara.
"Sofia, para com isto. Estás a fazer uma cena."
"Eu estou a fazer uma cena?" Olhei para ele incrédula. "Eu volto do hospital depois de perder o nosso filho, e encontro-te com ela. E eu é que estou a fazer uma cena?"
O ar ficou rarefeito. A menção ao bebé silenciou todos.
A expressão do Lucas vacilou por um segundo, uma centelha de algo que poderia ter sido culpa a passar pelos seus olhos.
Mas desapareceu tão depressa como apareceu.
"Eu não sabia," sussurrou ele. "Tu não me disseste que era tão grave."
"Eu tentei," respondi, a minha voz a quebrar. "Eu liguei-te vinte e três vezes."
O silêncio que se seguiu foi a resposta mais alta de todas.
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