Quando abri os olhos, o cheiro a desinfetante invadiu-me as narinas. O meu namorado, Tiago, estava ao lado da cama, a descascar uma maçã com uma concentração que nunca lhe tinha visto.
"Acordaste, Eva. Como te sentes?"
A sua voz era suave, mas eu sentia uma distância fria.
A minha perna direita estava engessada, pendurada numa estrutura metálica. A dor era uma presença constante e latejante.
"O que aconteceu... ao bebé?", perguntei, com a voz rouca.
Tiago parou de cortar a maçã. Não me olhou nos olhos.
"O médico disse que tiveste sorte em sobreviver, Eva. Foi um acidente grave."
A sua resposta evasiva foi como um soco no estômago. O meu peito apertou.
"Tiago, o nosso bebé."
Ele finalmente levantou a cabeça. Os seus olhos estavam vazios de qualquer emoção que eu conseguisse reconhecer.
"Não tivemos escolha. Os médicos tiveram de te salvar a ti."
As lágrimas que eu não sabia que estava a segurar começaram a escorrer pelo meu rosto, quentes e silenciosas. O nosso filho, o nosso bebé tão desejado, tinha-se ido.
O meu telemóvel tocou na mesa de cabeceira. Era a minha mãe.
"Filha! Estás bem? O Tiago disse-me que tiveste um acidente! Como está o bebé?"
A voz dela estava cheia de pânico. Não consegui responder. O telemóvel caiu da minha mão trémula. Tiago apanhou-o.
"Olá, sogra. Sim, a Eva está estável. Mas... perdemos o bebé. Foi necessário para a cirurgia dela."
Houve um silêncio do outro lado, seguido por um soluço abafado.
"Vou já para aí!", disse a minha mãe, com a voz embargada.
Tiago desligou a chamada e colocou o telemóvel de volta na mesa.
"Ela vem a caminho", disse ele, simplesmente, e voltou a pegar na maçã, como se nada tivesse acontecido.
Mas algo tinha acontecido. O mundo como eu o conhecia tinha acabado.
"Quem te ligou antes do acidente, Tiago?", perguntei, a minha voz a tremer. "Eu ouvi o telemóvel. Estavas a discutir com alguém."
Ele enrijeceu.
"Não era ninguém importante. Apenas trabalho."
"Não mintas para mim. Eu vi a chamada. Era a 'Lia'."
O nome pairou no ar entre nós, pesado e feio. Lia. A sua ex-namorada. A mulher que ele jurou ter deixado para trás.
"Não vamos falar sobre isso agora, Eva. Precisas de descansar."
"Eu preciso da verdade!", insisti, a minha voz a subir de tom. "Estavas ao telemóvel com ela quando o carro bateu, não estavas?"
Ele atirou a faca e a maçã para o prato com um barulho seco.
"Sim! Estava! Satisfeita? Ela ligou-me a chorar, a dizer que o pai dela estava a morrer. O que querias que eu fizesse? Que a ignorasse?"
"E por isso desviaste os olhos da estrada? Por causa dela? E o nosso filho morreu por causa disso!"
O grito saiu rasgado da minha garganta. A dor na minha perna não era nada comparada com a dor que me rasgava por dentro.
Ele não respondeu. Apenas ficou ali, a olhar para mim, o seu rosto uma máscara de raiva e culpa.
Naquele momento, eu soube. Soube que não tinha perdido apenas o meu filho. Tinha perdido tudo.
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