Receber alta do hospital foi estranho. O mundo lá fora parecia demasiado barulhento, demasiado rápido. A minha mãe levou-me para casa dela, insistindo que eu não podia ficar sozinha.
O nosso apartamento, o lugar que eu e Tiago tínhamos construído juntos, parecia um planeta distante.
A primeira coisa que fiz foi ligar ao meu advogado.
"Quero o divórcio", disse eu, a minha voz firme. "E quero processá-lo por danos morais e pela perda do meu filho."
O advogado, um homem pragmático chamado Dr. Sousa, ouviu pacientemente.
"Eva, um processo por danos morais é complexo. Provar a negligência dele no acidente será o ponto-chave."
"Eu tenho provas. Ele estava ao telemóvel. E tenho as publicações das redes sociais que provam que ele me abandonou no hospital para estar com outra mulher."
Enviei-lhe tudo. As capturas de ecrã, os registos de chamadas que consegui recuperar, um resumo de tudo o que aconteceu.
"Isto é forte", admitiu ele. "Vamos avançar."
Desliguei a chamada a sentir um pingo de poder, a primeira emoção para além da dor e do vazio em semanas.
Tiago deve ter sido notificado, porque começou a ligar-me incessantemente. Deixei o telemóvel tocar até parar.
Depois, vieram as mensagens.
"Eva, por favor, fala comigo. Podemos resolver isto."
"Um divórcio? Estás a falar a sério? Depois de tudo o que passámos?"
"Eu cometi um erro. Eu sei. Mas eu amo-te."
Cada mensagem era como sal numa ferida. Ele não entendia. Ele nunca entenderia.
Uma noite, ele apareceu à porta da casa da minha mãe. Eu estava na sala, a tentar fazer os meus exercícios de fisioterapia, a suar de dor e esforço.
A minha mãe abriu a porta.
"O que queres aqui, Tiago?"
"Eu preciso de falar com a Eva. Por favor."
A minha mãe olhou para mim. Eu assenti lentamente. Eu precisava de o enfrentar.
Ele entrou, parecendo mais magro, mais cansado. Os seus olhos fixaram-se na minha perna, no esforço que eu estava a fazer.
"Eva..."
"Diz o que tens a dizer e vai-te embora", cortei-o, a minha voz sem inflexão.
"Eu sinto muito. Eu fui um idiota, um egoísta. Eu estava em pânico, não estava a pensar direito."
"Tu estavas a pensar na Lia", corrigi.
Ele estremeceu.
"Sim. Mas foi um erro. Eu percebi isso. Percebi que te perdi a ti e ao nosso filho. Eu vivo com isso todos os dias."
"Bom", disse eu. "Porque eu também vivo. Todos os dias em que acordo e a primeira coisa que sinto é esta dor na perna. Todos os dias em que ponho a mão na minha barriga e não sinto nada."
As lágrimas escorriam pelo seu rosto.
"Por favor, dá-me outra oportunidade. Eu faço qualquer coisa. Retira o processo. Vamos tentar de novo."
Ele deu um passo na minha direção.
"Não te aproximes", avisei. "Não há 'nós' para tentar de novo. Tu destruíste isso na berma daquela estrada. E depois enterraste-o quando foste ter com ela."
"Eu amo-te, Eva."
"O amor não é isto, Tiago. O amor não abandona. O amor não escolhe. Tu fizeste a tua escolha. Agora vive com ela."
A minha mãe, que tinha estado a observar em silêncio, deu um passo à frente.
"Acho que já ouviste o que ela tinha a dizer. A porta é por ali."
Ele olhou de mim para a minha mãe, a sua esperança a desvanecer-se. Virou-se e saiu, sem dizer mais uma palavra.
Quando a porta se fechou, eu finalmente deixei-me cair no sofá, exausta. A confrontação tinha-me drenado de toda a energia. Mas, pela primeira vez, senti que o caminho à minha frente, por mais difícil que fosse, era o meu. E eu ia percorrê-lo sozinha.
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