/0/15820/coverbig.jpg?v=6060aed2a19405bac4f08635f5999cee)
Estava indo tudo perfeitamente bem, até aquela garota cruzar o meu caminho. Ela passou por mim e foi até o Ravi dizendo:
- Preciso que abaixe o som – tinha uma postura diferente, era delicada e ousada ao mesmo tempo – sabe que o meu pai anda doente e precisa repousar.
- Não seja chata, Letícia – Ravi parecia conhecê-la bem – Ainda não é meia-noite.
- Som alto somente até às dez – continuou gesticulando. Ela também era insistente – se não abaixar, eu chamo a polícia.
- Tudo bem? – Ravi levantou os braços como se estivesse se rendendo e então direcionou a palavra até a Carol.
- Faz esse favor para mim, Carol?
Carol assentiu e voltou para o interior da casa para fazer o que Ravi havia solicitado. Mesmo que houvesse uma rixa entre mim e ele, nossos amigos eram amigos uns dos outros.
Minutos depois, o som foi abaixado.
- Satisfeita? – Ravi perguntou, mas Letícia não disse nada – da próxima vez te convido para festa, para ver se assim você para de pegar no meu pé.
- Dispenso o convite – começou a caminhar de volta de onde veio – suas festas, além de ruins, são muito mal frequentadas.
Ela se virou, me olhando dos pés à cabeça. Eu mal a conhecia, mas a odiava como se conhecesse. Sei que estava falando de mim, e meu sangue ferveu.
- Você é muito metida mesmo, garota.
Ela sorriu, virou-se e entrou na casa ao lado. De todas as mulheres que conheci, nenhuma evocou tanta repugnância quanto a que Letícia despertou em mim. Tentei ignorá-la e o sentimento que surgiu dentro de mim. Precisei me convencer de que nunca mais a veria novamente.
- Boa vizinhança, Ravi! – ironizei.
- Melhor ela, como vizinha, do que você.
Ele me ofereceu um sorriso debochado e entrou no carro, esperando que eu fizesse o mesmo. Deixei os últimos acontecimentos para trás e concentrei minha atenção no que realmente importava naquele momento.
Entrei na BMW favorita do meu pai, enquanto Ravi dirigia a sua Land Rover. Às vezes sentia inveja dele por ter o seu próprio carro, mas apesar de não ter um só meu, pelo castigo imposto pelo meu pai há um ano, a BMW era mais potente. Disso eu tinha certeza.
Com certeza, eu ficaria mais um ano sem ter meu próprio veículo se o meu pai descobrisse que peguei seu carro sem permissão.
Ravi rugiu o motor. Não tinha ninguém para autorizar a nossa partida. Ele levantou uma das mãos e começou a contagem regressiva: 3,2,1
Acelerei, o pneu fez barulho e deixou marcas na pista. Ravi assumiu a liderança. As ruas de Curitiba estavam desertas, o que facilitou a nossa diversão. Estávamos na pista principal em alta velocidade e o Ravi venceu quase todo o percurso. Não era a primeira vez que fazíamos corridas clandestinas pelas ruas da cidade. Já perdi as contas de quantas vezes já fiz isso com o próprio Ravi e saí vitorioso. Deixei que ele saboreasse a vitória por mais alguns quilômetros até que acelerei para que toda a potência do veículo estivesse trabalhando a meu favor, metro a metro eu me aproximava dele. A chegada estava próxima, menos de dez quilômetros. Eu o ultrapassei nos próximos metros. Acelerei ainda mais. O sabor da vitória era doce e eu sorri. Desviei minha atenção da pista, virei meu rosto para trás para ver o olhar de fúria em seu rosto, mas era quase impossível, eu estava muito à frente dele, quando virei novamente para olhar a pista à minha frente, não havia tempo para parar. Meus olhos se arregalaram.
Pisei no freio, o carro derrapou na estrada, perdendo velocidade. 100, 80, 60 quilômetros por hora até o impacto, mas não deu tempo de evitar o acidente. Apenas escutei o barulho de olhos fechados e o corpo do homem sendo jogado na pista. A moto na minha frente, quase destruída. Para-choque amassado, frente amassada. Eu tinha um corte profundo na sobrancelha. Meu corpo doía, minha cabeça latejava. Soltei o cinto, ainda tonto, saí do carro e quase desmaiei quando percebi o que havia acabado de fazer. Ravi estacionou o carro a alguns metros de distância, mas não demorou muito, ele deu ré e imediatamente partiu, deixando-me sozinho para levar toda a culpa.
"Covarde, filho da mãe"
O que mais eu poderia esperar de alguém que me odiava?
Fui até o homem e verifiquei seus batimentos cardíacos.
"Por favor, Deus, não deixe aquele homem morrer. Não quero ser preso".
Essa ideia de prisão quase paralisou minha capacidade de pensar. O homem ainda estava vivo. Eu poderia ter fugido dali, mas estava incapacitado pelo medo. Na minha cabeça, se eu ficasse, talvez pudesse sair sem ir para a cadeia.
Tirei meu celular do bolso e liguei para a emergência.
"Eu atropelei um homem, por favor, venha rápido"
Fui bombardeado com um caminhão cheio de problemas. O homem deitado no chão. O carro do meu pai foi danificado. Desobediência, infração de trânsito. Dirigir sob efeito de álcool. Quantos anos eu ficaria na prisão? Dez, vinte anos? Talvez menos ou nada se meu pai pagasse a fiança? Posso responder em liberdade? Minha cabeça fervilhava com todas as possibilidades do crime que acabara de cometer. Pelo menos fui corajoso o suficiente para ficar lá e receber o castigo que merecia.
A ambulância chegou com a polícia em menos de dez minutos. Eu ainda esperava que o homem estivesse vivo. Os socorristas o imobilizaram e o colocaram em uma maca. Meu coração se acalmou. Sei que é um milagre ele estar vivo, e mesmo freando o impacto foi forte, ou talvez eu tenha freado forte o suficiente para não o matar.
Um policial se aproximou, se identificou e começou a me fazer algumas perguntas. Foi aplicado um teste do bafômetro. Estou fodido. O policial imediatamente ordenou minha prisão. Ele me disse meus direitos e me algemou. Fechei os olhos, eu queria que fosse um pesadelo e que eu ia acordar a qualquer momento, mas quando percebi que já estava no carro da polícia, fui encaminhado para a delegacia.
Eu estava preso.