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Jonathan Campos
As algemas frias roçaram meus pulsos, deixando-os vermelhos e esfolados. Sou retirado do carro da polícia e encaminhado à sala do delegado. Ele era jovem e parecia conhecer bem meu pai.
- Jonathan Campos? – Ele olhou para mim, interessado.
- Sim – eu disse, mas não consegui olhar nos olhos do homem.
- Seu pai não vai gostar nem um pouco quando descobrir que você está aqui.
Olhei para o delegado e abri a boca para falar algo sobre meu pai, mas ele se levantou e disse:
- Você tem o direito a uma ligação – virei o rosto para trás e ele estava parado com a porta aberta, esperando que eu saísse – ligue para o Marcelo e avise que você está aqui.
- Você não vai me interrogar?
- Claro – levantei-me e caminhei até ele – mas você tem direito a um advogado e qualquer coisa dita aqui pode ser usada contra você.
Ele me contornou por trás e tirou minhas algemas. Suspirei de alívio. Ele me autorizou a realizar a ligação e, ao chegar lá, pensei na sorte que tive por parar na delegacia onde o amigo de meu pai era o delegado. Tive a impressão de que ele estava de alguma forma tentando me beneficiar.
Parei em frente ao balcão e olhei para o telefone à minha frente. Meu sangue congelou. Em poucos minutos, eu receberia o maior sermão da minha vida.
- O que você está esperando, garoto? – Um policial parou na minha frente com a cara de poucos amigos – se esperar mais um segundo, fica sem direito à ligação.
Engoli em seco e peguei o aparelho. Disquei o número e esperei que o Marcelo atendesse. Já eram duas da manhã. Chamou uma, duas, três vezes, e na sétima chamada, a voz do outro lado quase me fez perder a coragem de contar a verdade.
- Oi, pai – fechei os olhos enquanto jogava a bomba – fui preso.
- Você foi preso? – talvez eu tenha ido rápido demais – o que você fez dessa vez, Jonathan?
- Explicou quando você chegou aqui – minha voz era calma, mas o caos reinava por dentro – estou na 35ª DP da cidade.
Houve silêncio do outro lado da linha, e eu sei o que isso significava: Marcelo estava com os olhos fechados e os punhos cerrados, tentando não perder o controle.
- Seja o que for, saiba que você está muito ferrado comigo.
E desligou. O policial me levou de volta à sala do delegado, mas agora estava vazio. Fiquei ali, sentado à meia-luz da lâmpada acesa. Tive tempo para pensar nos acontecimentos das últimas horas e nas consequências que viriam logo depois. Fiz o ato tantas vezes e nada como isso aconteceu. Toda vez que eu entrava no carro para uma corrida, eu me certificava, seguro de mim. E saia vitorioso. Nunca me ocorreu que seria preso ou colocaria a vida de alguém em perigo. Ainda.
A abertura da porta dissipou todos os meus pensamentos e a figura do meu pai logo atrás de mim causou ainda mais preocupação. Marcelo se sentou ao meu lado, calado, mas o olhar que ele me lançou foi como um livro inteiro jogado na minha cabeça. O delegado sentou-se à nossa frente. Meu julgamento começaria ali.
- Jonathan foi preso por dirigir embriagado – Marcelo passou a mão no rosto – e por atropelamento.
- Você atropelou alguém? – Sua voz aumentou.
- Ele mesmo ligou para o serviço de emergência e ficou no local até a chegada da polícia.
- Foi o mínimo. – Ele se mexeu na cadeira. Eu conhecia bem meu pai e sabia que ele estava se segurando para não piorar as coisas – houve uma morte?
- Não, mas o homem está em estado grave no hospital.
- Que coisa horrível – baixou a cabeça, passou as mãos na testa, enxugou o suor - e agora? Jonathan será preso?
- Ele está livre para responder após pagar a fiança.
Observei enquanto Marcelo se levantava e andava pela sala algumas vezes.
- Você merece ser preso. – Ele parou ao meu lado e apontou o dedo para mim. Seus olhos marejaram a cada palavra que dizia – ele merece ficar aqui para, quem sabe, deixar de ser irresponsável.
- Não se altere, Marcelo – disse o delegado – Jonathan é reincidente. Pague a fiança e contrate um bom advogado.
Marcelo sabia exatamente o que eu estava fazendo nas ruas de Curitiba naquele dia. Ele sabia das corridas das quais eu participava, então me deu uma penalidade de não dirigir seus carros por um ano. Mas eu era um cara destemido e determinado.
- Assim podemos continuar o processo - o delegado concluiu.
O delegado saiu com o meu pai da sala e eles decidiram pagar a fiança. Chamaram um advogado e já era dia quando finalmente saímos da delegacia. O tempo todo, fiquei calado, pensativo, e a única coisa que me mantinha tenebroso era o fato de que o homem atropelado podia morrer a qualquer momento.
- Ele será processado por um crime e pode pegar uma pena de prisão de dois a quatro anos – disse o advogado –, mas podemos reverter essa pena a serviços comunitários.
Marcelo ouvia tudo em silêncio, pensativo. Despediu-se do advogado e, depois que o homem saiu, voltou sua atenção para mim.
- Você pegou meu carro sem minha permissão. Danificou a BMW. Você quase matou alguém – ele estava respirando pesadamente – para sua sorte, não mencionei o outro crime que você cometeu enquanto dirigia embriagado.
- Eu não queria atropelar o homem, – eu disse finalmente.
- Claro que não queria, se embriagou e foi dirigir com a intenção de se divertir – foi irônico. Quando você se tornará um homem, Jonathan?
Eu não respondi.
- Já que a justiça certamente não irá puni-lo, eu o punirei. - Ele deu a volta no carro e entrou. Entrei logo em seguida – a partir de hoje, se você quiser comer, vai ter que trabalhar. Sem carro, sem diversão.
- Você jura? – Zombei, mesmo sabendo que não deveria.
- Vai ter hora de chegar em casa e hora de sair – continuou – se chegar atrasado, vai dormir na rua. A partir de hoje, você pagará suas próprias despesas.
- Seria melhor ser preso – eu disse e ele ligou o carro.
- Concordo– disse ele – a prisão seria mais agradável.
Marcelo era o empresário mais importante e rico da cidade de Curitiba. Sou de uma família influente e conhecida em todo o estado do Paraná. Meu rosto estaria em todos os jornais no mesmo dia como o filho delinquente do grande empresário Marcelo Campos. Eu sabia como ele estava envergonhado disso. Mas certamente poucas pessoas sabem o que é ser filho de um empresário de sucesso. Pai ausente, princípios não aprendidos.
Não me lembro de nenhum momento da minha infância em que meu pai me levou a um jogo de futebol ou a uma viagem em família. Cresci sem ele ao meu lado e com certeza, por mais que negasse, fazia de tudo para chamar a atenção dele. Marcelo estava sempre ocupado, aumentando sua riqueza, enquanto eu crescia sem rédeas. Preenchia o vazio com carros, presentes caros e uma vida fácil. Agora adulto, ele deve ter percebido que era tarde demais para corrigir o erro de sua ausência.
Minha mãe ficou com o coração partido quando soube da notícia. Talvez ela fosse a única que se importasse comigo. Fui proibido de sair da cidade e tive que comparecer várias vezes ao fórum da cidade. Fui julgado por um júri e condenado a um ano de cestas básicas e serviços comunitários em um orfanato.
Por alguns momentos, eu queria ser preso para não me submeter a essas coisas. Eu tinha vinte e cinco anos e nunca havia trabalhado. Todos os dias, eu me levantava às seis da manhã, pegava um ônibus lotado para a empresa do meu pai e passava oito horas por dia refazendo relatórios. Voltei para casa e passei mais de uma hora em um ônibus lotado. Eu tinha tempo para entrar e sair de casa e estava cansada daquela vida. Agora eu teria que trabalhar em um orfanato.
- Às oito, você vai para o orfanato e ficará até uma da tarde – meu pai me disse – o resto do dia você vai trabalhar na empresa.
- Você não acha que está exagerando?
- Você acha que estou exagerando? – Ele ainda estava furioso – O homem que você atropelou está paralítico e nunca poderá ir trabalhar e sustentar sua família. E você acha que isso é exagero?
- Eu disse a você que não foi intencional.
- E eu já disse que não vou discutir isso com você novamente até você aprender o valor da vida.
Eu não disse nada. Eu estava cansado demais para discutir com meu pai.
- Amanhã você vai começar a trabalhar no orfanato.
- A sentença foi dita hoje, pai.
- E? – suas palavras foram frias – obedeça à ordem judicial.
Ele foi embora e me deixou com a sensação de estar vivendo no inferno.