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Leticia.
Em 1995, numa tarde chuvosa e fria de Curitiba, seu Bartolomeu e dona Cintia abandonaram o bebê recém-nascido na porta do orfanato da cidade e fugiram sem olhar para trás. Uma das irmãs encontrou a menina enrolada em um cobertor, chorando de frio ou de fome, ou de ambos. Eles a acolheram, a alimentaram e a colocaram para adoção. Muitos diziam que ela era uma criança linda, com olhos brilhantes e cabelos brilhando como o sol, mas por cinco anos ninguém se apresentou para adotá-la. O orfanato era um lugar bom e solitário. Entre as irmãs, sempre tinha aquela que era mais exigente e a mais autoritária, que às vezes batia até nas pobres crianças. O verdadeiro mal vinha dos outros órfãos que, influenciados pela ausência familiar, descarregavam seu medo e frustração nas outras crianças. Ela cresceu vendo outros órfãos serem adotados enquanto ela era deixada para trás. Até que um dia, numa tarde quente, um homem chamado João entrou na mansão acompanhado de sua esposa Madalena, e ao verem a menina, tiveram naquele momento a certeza de que ela seria sua futura filha. Em pouco tempo, tiraram de lá uma menina órfã de cinco anos e a batizaram de Letícia.
O celular tocou, eram seis da manhã e eu não estava com vontade de ir trabalhar naquele dia. Fiz uma careta quando me lembrei do que aconteceria naquele dia no orfanato. Coisas assim nunca aconteceram desde que fui trabalhar lá. Ter que ajudar um criminoso a reabilitar a sociedade era demais para mim. E se ele fosse muito perigoso? Se ele quisesse fazer algo ruim para as crianças, seria? Mas se eu soubesse o crime que ele cometeu, talvez fosse mais fácil lidar com toda a situação, mas me sentia às cegas.
Levantei-me arrastando. Realizei todo o ritual matinal sem nenhum entusiasmo. Saí, sem pressa, e o pai já estava acordado.
- Por que você está acordado a esta hora? – Fiquei pasma ao vê-lo, aparentemente tão disposto.
- Insônia – disse ele, um jornal cobrindo o rosto.
- Maria não vai gostar nada disso – comentei, sabendo que ele ficaria furioso.
- Maria, não precisa comentar nada – largou o jornal e me olhou através dos óculos – parece que você está atrasada.
- Não estou com vontade de ir trabalhar hoje. – Peguei uma xícara e a enchi de café.
- Seria pelo novo colega? – Ele perguntou, olhando para o jornal novamente.
- Colega? – perguntei – estão me enfiando ele goela abaixo.
- Não pode ser tão ruim. Letícia.
- Pai – chamei-o, mas ele não olhou para mim – ele é bandido. Quem sabe o que ele pode fazer conosco?
- Você não sabe que crime ele cometeu, – ele continuou na defesa de alguém que mal conhecia, – aliás, você não deveria ser tão tendenciosa em seu julgamento.
Seu comentário me pegou de surpresa.
- Discordo totalmente do senhor, pai, mas estou muito cansada para discutir sobre isso agora.
- E pelo que parece, está atrasada também.
Terminei o último gole do meu café e olhei para ele pela última vez. Fui até lá e beijei sua cabeça já careca.
- Comporte-se – avisei e ele grunhiu – e, se possível, tenha um bom dia.
- Para você também. – Suas palavras foram duras, mas eu não me importei.
Saí de casa me divertindo com o quanto ele gostava de provocar Maria.
Meu pai ficou viúvo aos cinquenta e oito anos. A partir desse dia, viveu isolado, sem muitos amigos e com poucas aventuras. Cinco anos depois da morte de minha mãe adotiva, ele ficou doente. Descobrimos que ele tinha o tipo mais grave de diabetes. A partir daquele dia, nossas vidas mudaram completamente. Eu ainda era muito nova para entender o que aconteceu, mas aprendi a ser forte e resistente para cuidar dele e de mim. Não foi tão difícil, para uma menina que cresceu em um orfanato, a vida te faz forte. Eu tinha poucas lembranças do meu tempo morando naquele casarão, mas a maioria delas era ruim. Castigos injustos foram dados, os outros órfãos sempre zombaram e abusaram de mim. Eu não tinha ninguém em quem me apoiar, ninguém em quem confiar. Desde cedo, tive que aprender a lamber minhas próprias feridas. E não era diferente de hoje.
Enquanto caminhava em direção ao orfanato, não parava de pensar que, apesar das coisas que havia passado ali, sentia um carinho imenso pelo lugar. Quando decidi ir trabalhar no mesmo lugar em que fui abandonada, fui com a intenção de ser o apoio que há tantos anos procurava e não tinha. Eu ajudaria essas crianças nesse momento tão difícil de suas vidas. Portanto, eu não permitiria que ninguém os prejudicasse.
Assim que cheguei ao portão do orfanato, meu coração congelou. O homem já havia chegado? Como ele seria, velho, jovem? Tinha medo do que encontraria ali dentro. Respirei fundo e entrei. Irmã Adelina estava na recepção, mas ninguém estava com ela. Observei o ambiente e tudo parecia normal.
- Bom dia – eu disse, mas ela não olhou para mim – o homem já chegou?
Adelina ergueu os olhos e olhou para mim através dos óculos. Tenho a impressão de que ela não gostou da maneira como falei sobre seu novo funcionário.
- O homem de quem você fala ainda não chegou – fez uma pausa, de modo que engoli em seco – e realmente espero que você não seja tão rude quando ele chegar.
Era o que me faltava, ser delicada com um criminoso.
- Posso pelo menos saber o nome dele? – perguntei – para não o chamar de homem, e não o ofender.
- Jonathan Campos – respondeu e tive certeza de que não o conhecia – e não me venha com ironia logo pela manhã, Letícia.
Irmã Adelina era uma típica mulher rabugenta. Ela nunca sorria, pelo menos não que me lembro. Ela sempre levava as coisas muito a sério e não tinha senso de humor. Seu coração era quase impenetrável, ou assim eu tinha a sensação. Pensei em perguntar-lhe se deveria ficar ali esperando o anfitrião, mas não tive tempo. Logo atrás de mim, a porta da mansão se abriu e um homem barrigudo de terno entrou. Mas meus olhos se voltaram para o homem que estava logo atrás deles.
Droga! Eu o conheço. Logo ele. É o garoto que conheci na festa de Ravi.
Nossos olhos se encontraram e a expressão em seu rosto era de puro desagrado ao me ver. O mundo realmente é pequeno, ou talvez a vida esteja me pregando peças.
- Bom dia – disse o homem de terno e se dirigiu à irmã Adelina – trouxe o Jonathan para começar a trabalhar.
Seus olhos pareciam grudados em mim e eu sabia que a expressão em meu rosto indicava que eu estava para poucos amigos.
Observei Adelina se apressar em direção a Jonathan e oferecer-lhe a mão, sem sorrir, é claro, e ele deu-lhe um aperto nada entusiasmado.
- Seja bem-vindo – ela disse e dirigiu seu olhar para mim – Aqui está a Letícia e ela vai cuidar de você. Ela vai te ensinar como funciona o orfanato e quais serão seus serviços aqui.
Observei enquanto Jonathan sorria. Eu queria dar um soco nele, mas também notei que a irmã Adelina estava olhando para mim como se esperasse minha reação a ele.
- Comprimente o rapaz, Letícia – disse ela.
Bufei sem intenção de disfarçar.
- Oi – Eu não queria ser legal com ele e foi tudo o que consegui dizer.
- Já nos conhecemos – disse ele, olhando para Adelina – infelizmente.
Eu até abri a boca para responder, mas o homem de terno na minha frente falou.
- Como estamos entre conhecidos, seguirei meu caminho – sorriu como se estivesse tudo bem – não se esqueça do que conversamos – direcionou o discurso para Jonathan – e não se esqueça dos seus horários, principalmente com seu pai.
Jonathan não respondeu ao homem, mas sua expressão permaneceu fechada. Sua vida certamente não me parecia fácil, mas por que eu deveria me importar? Além de arrogante, ele era um criminoso. Observei o homem se afastar e, quando me dei conta, estava concentrada no Jonathan novamente, sabendo que ele seria a companhia mais constante que eu teria daquele ponto em diante.
Infelizmente!