A Dor do Adeus
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Capítulo 1

O cheiro de desinfetante invadiu minhas narinas antes mesmo de eu conseguir abrir os olhos, um odor agudo e limpo que contrastava com a dor surda que pulsava em meu abdômen.

Abri os olhos devagar.

As luzes brancas do teto do hospital me cegaram por um instante.

Um médico estava ao lado da minha cama, seu rosto era uma máscara de compaixão profissional.

"Senhora Lívia, você sofreu um acidente de carro. Você está estável, mas... lamento informar que perdemos o bebê."

As palavras dele flutuaram no ar, sem peso, demorando a encontrar um lugar para pousar na minha mente atordoada.

O bebê.

Meu bebê.

A dor física em meu corpo de repente se tornou insignificante, engolida por um vazio imenso que se abriu no meu peito.

Eu não chorei. Eu não gritei. Apenas senti o eco daquela perda, um silêncio profundo e assustador.

Lucas chegou uma hora depois.

Ele entrou no quarto, o som de seus sapatos caros ecoando no chão de linóleo. Ele parecia impecável, como sempre, em seu terno de negócios, o cabelo perfeitamente penteado.

Ele olhou para mim, depois para o monitor de frequência cardíaca ao meu lado.

"O médico disse que você vai ficar bem."

Sua voz era calma, distante, como se estivesse comentando sobre o tempo.

"Lucas... o bebê..." minha voz saiu como um sussurro rouco.

Ele suspirou, um som de impaciência.

"Eu sei. É uma pena. Mas nós somos jovens, Lívia. Podemos tentar de novo."

Ele pegou o celular do bolso e começou a digitar, o polegar se movendo rapidamente sobre a tela.

"Aconteceu um problema com o projeto de Santa Mônica, preciso resolver isso."

Eu o observei, deitada naquela cama de hospital, o corpo dolorido, a alma estraçalhada, e vi um estranho. O homem com quem eu havia compartilhado minha vida por sete anos não estava ali. Em seu lugar, havia um empresário preocupado com seus negócios.

A indiferença dele era mais dolorosa que a perda.

Ele foi ao banheiro, e foi quando o celular dele, que ele deixou na mesinha de cabeceira, vibrou.

A tela se acendeu.

Uma notificação de mensagem de uma tal de Sofia.

"Lucas, a saia que você me deu ficou perfeita! Mal posso esperar para te mostrar. 😉"

Sofia.

A nova assistente dele. Uma jovem que ele havia contratado há dois meses, elogiando sua "energia e proatividade" .

Naquele momento, tudo fez sentido. A distância, as reuniões noturnas, a frieza.

A imagem daquela saia, que eu nunca tinha visto, se projetou na minha mente. A dor no meu peito se transformou em uma raiva fria.

Eu não era apenas uma inconveniência. Eu era um obstáculo que havia sido temporariamente removido do caminho dele.

Enquanto a raiva fervia sob a minha pele, uma clareza inesperada tomou conta de mim. Eu não podia continuar assim. Eu não queria mais ser a mulher que esperava por migalhas de atenção.

Peguei meu próprio celular, meus dedos tremendo um pouco, e disquei o número de Bruno. Meu amigo de longa data, o chef confeiteiro que sempre me incentivou.

"Lívia? O que aconteceu? Sua voz está estranha."

A preocupação genuína na voz dele quase me fez desmoronar.

"Eu sofri um acidente, Bruno. Perdi o bebê."

Houve um silêncio chocado do outro lado da linha.

"Meu Deus, Lívia. Onde você está? Estou indo para aí agora."

"Não precisa. Eu só... eu precisava ouvir uma voz amiga." Respirei fundo, tentando manter a firmeza. "Bruno, a 'Doce Sonho' ainda está contratando um chef de confeitaria?"

Ele hesitou por um segundo, provavelmente surpreso com a pergunta repentina.

"Sim. A vaga ainda está aberta. Mas, Lívia, você tem certeza? Agora?"

"Eu nunca tive tanta certeza de nada na minha vida" , eu disse, e pela primeira vez naquele dia, senti uma faísca de força dentro de mim.

Lucas saiu do banheiro, já ajeitando a gravata.

"Preciso ir. Tenho uma reunião urgente que não posso adiar." Ele nem olhou para mim direito. "Vou pedir para a Sofia passar na nossa casa e trazer algumas coisas para você. Ela é muito prestativa."

Ele se inclinou, deu um beijo frio na minha testa e saiu, deixando para trás o cheiro de seu perfume caro e um silêncio ensurdecedor.

Sozinha no quarto estéril, eu olhei para a janela. A noite caía sobre a cidade. O reflexo no vidro me mostrava um rosto pálido, com olhos que pareciam vazios. Mas por baixo da dor, algo novo estava nascendo.

Uma decisão.

O relacionamento de sete anos não estava apenas ruindo.

Ele já tinha acabado.

Eu só não tinha percebido até agora.

            
            

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