Adeus, Velho Sofrimento
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Capítulo 1

Quatro anos após a morte de João, Maria foi ao cemitério, como fazia todo ano.

Ela carregava um buquê de lírios brancos, as flores favoritas dele.

O sol de outono era brando, mas o vento que soprava entre as lápides era frio, fazendo Maria apertar o casaco.

Ela caminhou pela trilha de pedras que já conhecia de cor, passando por túmulos de famílias que ela nem conhecia, até chegar ao local de sempre.

Mas o túmulo não estava lá.

O espaço onde a lápide de mármore com o nome "João Alves" deveria estar, agora era apenas um pedaço de grama remexida.

Maria ficou parada, o coração batendo descompassado.

Ela piscou, achando que talvez tivesse errado o caminho.

Mas não, era ali. Ela conhecia a árvore de ipê ao lado, as flores plantadas no túmulo vizinho.

O túmulo de João tinha sumido.

Ela deu a volta, procurando por algum funcionário do cemitério, a confusão se misturando com um pânico crescente.

Encontrou um coveiro varrendo folhas secas perto do portão.

"Com licença, o túmulo do meu marido... sumiu. João Alves. Era bem ali, debaixo daquele ipê."

O homem a olhou com pena, coçando a cabeça.

"Ah, o do doutor João. A família pediu pra mover. Já faz uns meses."

Família? Que família? A única família era ela e o filho deles, Pedro. E ela não tinha pedido nada.

"Mover? Mover para onde? Quem pediu?"

"Foi o filho dele, o Pedro. Juntaram os corpos, sabe? Agora ele tá enterrado com a outra lá."

A outra.

O ar pareceu ficar mais denso, mais difícil de respirar.

Maria sentiu as pernas fraquejarem.

Ela voltou para casa em um estado de torpor, os lírios esquecidos no banco do carro.

Pedro estava na sala, assistindo televisão. Ele tinha vinte e dois anos, com os mesmos olhos de João.

"Pedro, onde está o túmulo do seu pai?"

A voz dela saiu trêmula, acusadora.

Ele desligou a TV, o rosto subitamente tenso. Ele sabia exatamente do que ela estava falando.

"Mãe, senta. A gente precisa conversar."

"Eu não quero sentar. Eu quero saber por que você moveu o corpo do seu pai sem me falar nada."

Pedro respirou fundo, parecendo um homem muito mais velho.

"Ele não queria ser enterrado sozinho. Ele deixou uma carta. A Ana faleceu há seis meses, e o último desejo dela era ser enterrada com ele."

Ana.

A enfermeira.

A mulher com quem João teve um caso por trinta anos.

Trinta anos. Uma vida inteira de mentiras.

"E você achou justo fazer isso? Comigo? Sua mãe?"

A dor no peito de Maria era aguda, física.

"Mãe, o pai amava a Ana. Ele sempre amou. Ele disse... ele disse na carta que se sentiu forçado a casar com você. Que o verdadeiro amor da vida dele era ela."

Cada palavra era um golpe.

Forçado.

Uma obrigação.

Todo o casamento, toda a vida que construíram, uma farsa.

As lágrimas que Maria segurou no cemitério agora escorriam livres pelo seu rosto.

Ela se sentia vazia, uma casca oca.

O mundo ao seu redor começou a girar, as cores se misturando, a voz de Pedro se tornando um zumbido distante.

Ela fechou os olhos, desejando que tudo aquilo desaparecesse.

E então, uma escuridão súbita.

Quando Maria abriu os olhos novamente, ela não estava mais na sua sala.

Ela estava deitada em uma cama de hospital, a luz fluorescente do teto irritando seus olhos.

Uma dor familiar latejava em seu ventre.

Ela olhou para o lado.

Seu corpo estava mais jovem, suas mãos não tinham as manchas da idade.

Ela conhecia aquele quarto.

Conhecia aquela dor.

Era o dia em que ela sofreu um aborto espontâneo, vinte anos atrás.

Ela se lembrava daquele dia com uma clareza terrível.

João tinha ficado ao seu lado por uma hora, o rosto impaciente, olhando o relógio a cada cinco minutos.

Então, o telefone dele tocou.

Era Ana. Ela estava com uma crise de enxaqueca.

"Maria, eu preciso ir. A Ana não está bem. Você fica bem, né? As enfermeiras cuidam de você."

Ele disse isso e saiu, deixando-a sozinha na cama do hospital, sangrando, com o corpo e a alma em pedaços.

Ele a abandonou para consolar a amante.

Naquela época, ela chorou. Ela implorou para ele ficar.

Mas agora...

A porta do quarto se abriu e João entrou, o mesmo rosto preocupado e falso de vinte anos atrás.

"Maria, como você está se sentindo?"

Ela olhou para ele, para o homem que a humilhou por uma vida inteira, que até na morte a rejeitou.

O ódio e a dor da revelação de seu filho ainda queimavam nela.

Desta vez, não haveria lágrimas. Não haveria súplicas.

Ela sentiu uma calma gélida tomar conta de si.

Ela tinha uma segunda chance.

Não para reconquistá-lo.

Mas para se libertar dele.

Enquanto João começava a dar suas desculpas esfarrapadas sobre precisar sair, Maria já tomava uma decisão.

Ela não disse uma palavra. Apenas o observou sair.

Assim que a porta se fechou, ela pegou o telefone ao lado da cama.

Não ligou para amigas ou família.

Ela ligou para a rodoviária.

"Boa tarde. Eu gostaria de comprar uma passagem, só de ida, para o Rio de Janeiro. Para hoje à noite, se possível."

Uma nova vida estava esperando. E desta vez, ela não ia perdê-la por causa dele.

            
            

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