Adeus, Velho Sofrimento
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Capítulo 3

Na manhã seguinte, João tentou uma nova tática.

Ele acordou mais cedo, fez café e apareceu no quarto com uma bandeja.

Nela, uma xícara de café fumegante, um pão com manteiga e uma pequena caixa de veludo.

"Bom dia, meu amor. Eu trouxe café para você."

A voz dele era mansa, calculada.

Maria se sentou na cama, o corpo ainda dolorido.

Ela olhou para a bandeja, para o sorriso forçado dele, e não sentiu nada.

Nenhuma gratidão, nenhuma surpresa. Apenas um cansaço profundo.

Ele colocou a bandeja no colo dela e abriu a caixinha de veludo.

Dentro, havia um relógio de pulso feminino, dourado e delicado.

"Eu sei que os últimos dias foram difíceis. Eu queria te dar algo para... você sabe. Para compensar."

Compensar.

Como se um relógio pudesse compensar um filho perdido, um abandono no hospital, trinta anos de mentiras.

Na vida passada, ela teria aceitado o presente com um sorriso triste, grata pela migalha de atenção.

Teria colocado o relógio e o usado como um símbolo da reconciliação deles, uma reconciliação que nunca era real.

Desta vez, Maria olhou para o relógio e depois para ele.

"Eu não quero."

A recusa foi simples, direta, sem raiva.

Apenas uma constatação.

João ficou sem reação por um momento.

"Como assim, não quer? É um bom relógio, Maria. É caro."

"Eu não me importo com o preço. Eu simplesmente não quero."

Ela empurrou a bandeja de volta para ele.

O sorriso de João desapareceu, substituído por uma impaciência mal disfarçada.

Ele fechou a caixa do relógio com um estalo.

"Tudo bem. Se você não quer, não quer."

Ele se levantou, andando de um lado para o outro no quarto.

Maria sabia que o show de gentileza tinha acabado. Agora viria o verdadeiro motivo daquela encenação.

"Olha, Maria, tem outra coisa que eu queria conversar com você."

Ele parou na frente dela, o rosto sério.

"É sobre a vaga de 'trabalhadora exemplar' do hospital."

Ah, aí estava.

Todos os anos, o hospital onde os dois trabalhavam premiava um funcionário com um bônus generoso e uma placa de reconhecimento.

Este ano, todos sabiam que a disputa estava entre ela, uma administradora respeitada, e Ana, a enfermeira.

Pelo seu desempenho impecável, a vaga era praticamente de Maria.

"O que tem a vaga?", ela perguntou, a voz neutra.

"Então... a Ana precisa muito desse prêmio. O marido dela perdeu o emprego, eles estão com dívidas. Esse dinheiro faria uma diferença enorme para ela."

Maria o encarou, esperando.

"E você sabe, a Ana é uma ótima enfermeira, ela se dedica tanto... Eu estava pensando, talvez... talvez você pudesse ceder a sua vaga para ela este ano."

O pedido era tão absurdo, tão descaradamente egoísta, que Maria quase riu.

Ele não estava pedindo. Ele estava exigindo que ela se sacrificasse, mais uma vez, pela amante dele.

"Você quer que eu abra mão de um reconhecimento que eu mereço, de um dinheiro que eu ganhei com meu trabalho, para dá-lo à sua amante?"

A palavra "amante" pairou no ar, pesada e inegável.

O rosto de João ficou vermelho.

"Não fale assim dela! Ana é uma boa pessoa, ela está passando por um momento difícil!"

"E eu não estou? Eu acabei de perder um filho, João. Nosso filho."

"Isso é diferente!", ele explodiu. "Isso foi um acidente da natureza! O problema da Ana é real, é financeiro!"

Naquele momento, Maria se lembrou de uma conversa que ouviu na vida passada, meses depois daquele dia.

Dois colegas fofocando no corredor do hospital.

Eles falavam sobre como João era obcecado por Ana.

Como ele comprava presentes caros para ela, pagava as contas dela, financiava o estilo de vida que o marido dela não podia bancar.

Ele não a amava. Ele a possuía.

E agora, ele queria usar o mérito de Maria para comprar mais um favor, mais um pouco da devoção de Ana.

A compreensão atingiu Maria com a força de uma onda.

Ela não era uma esposa. Ela era um recurso.

Uma fonte de conveniência, de estabilidade, que permitia que ele mantivesse seu verdadeiro interesse, sua obsessão, em outro lugar.

Ela olhou para o homem à sua frente, um estranho cheio de egoísmo, e sentiu pena.

Pena dele, por ser tão fraco.

E pena de si mesma, por ter levado tanto tempo para ver.

"A resposta é não, João."

A voz dela era final.

"Eu não vou ceder a minha vaga."

            
            

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