Ele sentia a raiva queimar em seu peito, uma fúria fria e impotente que o deixava sem ar, como ele poderia ter sido tão ingênuo? Como pôde confiar tanto?
A porta do quarto se abriu um pouco, a luz do corredor desenhou uma fresta no chão e as vozes de sua noiva, Sofia, e do meio-irmão dela, Pedro, chegaram até ele, claras e cruéis.
"Você viu a cara dele, Sofia? Parecia que ia chorar."
A voz de Pedro era carregada de um desprezo zombeteiro.
"Ele mereceu, quem ele pensa que é para exigir um pedido de desculpas do meu irmão? Só porque você cometeu um errinho na pista?"
Sofia respondeu, sua voz, que antes era música para os ouvidos de Ricardo, agora soava como vidro quebrado.
Ricardo sentiu o coração parar, ele estava deitado na cama, o corpo dolorido pelo acidente que Pedro causara na última corrida, um erro estúpido de novato que custou a vitória à equipe, e Ricardo, como líder da equipe, apenas exigiu o que era certo, um reconhecimento do erro, um pedido de desculpas.
Ele não esperava que a reação de Sofia fosse essa, vender suas informações mais sensíveis, seus segredos de pilotagem, seus dados biométricos, tudo, por uma quantia ridícula.
Ele ouviu a risada de Pedro, uma risada que o fez estremecer.
"Ele sempre foi um idiota, achando que realmente fazia parte da família, ele não passa de um cachorrinho que a gente adotou."
"Exato" , Sofia concordou, e a palavra seguinte selou o destino do amor que Ricardo sentia por ela. "Ele é só o cachorro da família, útil enquanto nos serve, mas quando late demais, a gente precisa colocar na coleira."
Cachorro, essa palavra ecoou na mente de Ricardo, ele se lembrou de todas as vezes que se arriscou por eles, de todas as vezes que colocou os interesses da família de Sofia acima dos seus, de todas as noites que passou em claro analisando dados para ajudar Pedro a melhorar, para nada. Ele era apenas um animal de estimação.
"Aquele preço baixo foi a melhor parte" , continuou Sofia, a crueldade em sua voz era palpável. "Vender por milhões seria um elogio, mas vendê-lo por trocados, expô-lo como um produto barato, isso o destrói por dentro, é uma humilhação que dinheiro nenhum compra, isso é mais doloroso do que qualquer surra."
Ricardo fechou os olhos, a dor física do seu corpo machucado não era nada comparada à dor que rasgava sua alma, cada palavra deles era um prego sendo martelado em seu caixão emocional. Ele se sentia um tolo, um completo idiota por ter amado Sofia, por ter acreditado em suas palavras doces e em seus abraços.
Tudo era uma mentira.
Ele era apenas um degrau para a ascensão social dela e uma ferramenta para proteger o irmão irresponsável.
A dor em suas costelas, quebradas no acidente, se intensificou, mas a dor em seu coração era insuportável, era um vazio frio e cortante, a sensação de ter sido completamente esvaziado, de ter sua dignidade arrancada e pisoteada.
E o pior de tudo, ele sabia, no fundo de sua alma, que aquilo era apenas o começo.
Sofia não pararia por ali.