Levei-a para casa. Dei-lhe comida, roupas limpas e um lugar seguro para dormir. Ela mal falava no início, desconfiada de tudo e de todos. Descobri que ela tinha perdido a memória em um acidente e não sabia quem era ou de onde vinha. Tudo o que ela tinha era um talento bruto para o desenho. Seus cadernos eram cheios de esboços de roupas, designs inovadores e cheios de paixão.
Eu vi potencial. Vi uma alma perdida que eu poderia salvar.
"Você vai ficar doida, Gabi", me dizia minha vizinha, uma senhora simpática que me via como uma filha. "Essa moça tem um olhar... complicado. Não se sabe o que se passa na cabeça dela."
Eu não dei ouvidos. Para mim, Marina era um projeto. Um projeto de amor.
Com meu dinheiro e meus contatos, ajudei-a a montar um pequeno ateliê. Eu cuidava dos negócios, das finanças, do marketing. Ela só precisava criar. E ela criou. Suas peças eram extraordinárias. Em pouco tempo, o nome "Marina" começou a circular nos círculos da moda.
Ela dependia de mim para tudo. Era como uma criança assustada, sempre andando atrás de mim, buscando minha aprovação. Se alguém levantasse a voz para mim, ela se colocava na minha frente, pronta para me defender com unhas e dentes, mesmo sendo mais fraca. Eu me sentia amada, protegida. Eu me sentia necessária.
Nosso relacionamento floresceu a partir dessa dependência. Ela era grata, e eu era a salvadora. Parecia o roteiro de um conto de fadas.
No dia do nosso primeiro aniversário juntas, no Dia dos Namorados, ela desapareceu o dia inteiro. Fiquei desesperada, pensando que ela tinha ido embora. Quando voltou à noite, estava segurando um único anel, feito de arame e uma pequena pedra que ela encontrou na rua.
"Não é muito", ela disse, com os olhos cheios de lágrimas. "Mas é tudo o que eu tenho. Gabi, eu não sei quem eu era antes, mas eu sei quem eu quero ser agora. Eu quero ser sua. Casa comigo?"
Meus pais, que a adoravam, apoiaram a união. Eles viam como ela me fazia feliz. No dia do nosso casamento, ela estava radiante. Jurou na frente de todos que passaria o resto da vida me agradecendo por tê-la resgatado.
Um ano depois, meus pais morreram em um acidente de carro. Meu mundo desabou. Eu chorei até não ter mais forças, até quase desmaiar de tanto soluçar. Marina me abraçou a noite inteira.
"Eu estou aqui, meu amor", ela sussurrou no meu ouvido, enquanto eu tremia em seus braços. "Você não está sozinha. Eu nunca vou te abandonar. Eu sou sua família agora. Eu vou te proteger para sempre."
Eu acreditei nela. Acreditei em cada palavra. Ela era meu porto seguro, a única coisa que me restava no mundo. Eu confiei nela com minha vida, meu coração e meu patrimônio.
Eu era uma tola. Uma tola completa e cega.
Toda aquela devoção, todo aquele amor, toda aquela gratidão... era tudo uma performance. Uma longa e elaborada mentira. Ela nunca me amou. Ela amava o que eu podia lhe proporcionar. Ela amava a segurança, o dinheiro, a carreira.
E, no fundo, ela sempre amou Luiza.
Essa lembrança não me trazia mais dor. Trazia apenas uma clareza fria. Eu não a salvei. Eu apenas a alimentei, a fortaleci, criei o monstro que viria a me destruir.
Mas agora, eu tinha uma segunda chance. E eu não ia desperdiçá-la sentindo pena de mim mesma. Eu ia usar cada lembrança, cada pedaço de conhecimento, para desmantelar o império que ajudei a construir.
A promessa dela de me proteger para sempre era uma piada. Agora, a minha promessa silenciosa era a única que importava.
A promessa de sua completa e total destruição.
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