"Ele é um bom homem, Sofia," disse minha avó, Dona Regina, enquanto mexia o café na xícara. Estávamos sentadas na cozinha modesta da sua casa, o único lugar onde eu me sentia verdadeiramente segura.
"Lucas Almeida é um empresário respeitado. Ele pode te dar um futuro que eu nunca pude sonhar em te oferecer."
Sua voz era pragmática, sem sentimentalismo. Vovó sempre foi assim, direta. Ela via o casamento como um contrato, uma forma de garantir minha segurança. E, naquele momento, era exatamente disso que eu precisava.
"Eu sei, vovó. Eu vou encontrá-lo," respondi, com uma calma que eu mesma não sentia.
Dentro de mim, uma decisão estava sendo cimentada. Eu não estava apenas aceitando um casamento arranjado, eu estava traçando um plano de libertação. Aquele casamento seria meu passaporte para longe de Pedro. Com o apoio financeiro de Lucas, eu poderia finalmente me aprofundar nos meus estudos de dança, talvez até fazer uma faculdade no exterior, algo que sempre pareceu um sonho distante. Eu estava tomando as rédeas do meu destino.
Mais tarde, naquele mesmo dia, encontrei Zé da Silva na quadra da escola de samba. Ele era o assistente fiel de Pedro, um homem simples e de bom coração que sempre me tratou com carinho. Ele me viu arrumando umas fantasias, com o olhar perdido.
"Sofia, você não parece bem," ele disse, se aproximando com cautela. "O Pedro... ele pode ser cabeça dura, mas ele se importa com você."
Zé começou a falar do passado, de como Pedro me encontrou, de como ele sempre cuidava para que eu tivesse o melhor figurino, a melhor posição na ala.
"Ele te protege, menina. Mais do que você pensa."
Eu ouvi suas palavras, mas elas soavam ocas. Eram ecos de uma história que eu não queria mais ouvir.
"É um carinho de irmão, Zé. Eu entendi isso," cortei, minha voz mais firme do que eu esperava. "Eu sou grata por tudo, de verdade. Mas acabou. Eu preciso seguir em frente."
Meu coração já não doía mais com a mesma intensidade. A dor aguda tinha se transformado em uma cicatriz fria e dormente. Eu via Pedro com clareza agora: um homem carismático, sim, mas também controlador. O "cuidado" dele era uma forma de me manter por perto, sob sua influência, na caixinha de "irmã mais nova" que ele mesmo criou. Eu não era uma pessoa para ele, era uma posse.
"Eu vou ficar bem," garanti a Zé, e a mim mesma.
Minha mente já estava no futuro. Eu pensava no encontro com Lucas, na possibilidade de uma vida nova, longe do barulho dos tambores e dos holofotes que sempre pareciam me ofuscar ao lado de Pedro. Eu não buscava amor, buscava paz. Buscava a chance de ser apenas Sofia, e não a "protegida de Pedro".
Antes de ir embora, me virei para Zé.
"Zé, por favor, não comente nada com o Pedro sobre meus planos. Sobre... qualquer coisa."
Ele franziu a testa, confuso, mas assentiu. "Seu segredo está guardado comigo, pequena."
Naquela noite, no meu quarto, abri a gaveta da minha cômoda. Lá no fundo, havia uma foto. Eu e Pedro, há alguns anos, sorrindo depois de um desfile. Ele me abraçava pelos ombros, um sorriso vitorioso no rosto. Por muito tempo, aquela foto foi meu tesouro.
Peguei a foto e a olhei por um longo tempo. Sete anos. Sete anos de um amor unilateral, de uma esperança tola. Com um suspiro profundo, virei a foto e a coloquei de volta na gaveta, com a imagem virada para baixo.
Era um ponto final. Um adeus silencioso a tudo o que eu senti por ele.