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- Depressa, Violeta, hoje temos trabalho. - A voz exausta da cozinheira ecoa atrás de mim.
Ajeito o avental que faz parte do meu uniforme e pego as sacolas pesadas de lixo - que, na minha opinião, deveriam ser devidamente separadas entre recicláveis e orgânicos - e, involuntariamente, a minha mente retorna para casa, para o que costumava ser meu lar. Nós tínhamos a ética de preservar o meio ambiente, e o mínimo que podíamos fazer era separar o reciclável.
Arrastando os sacos de lixo pesados, dou a volta pelos lados da mansão luxuosa. Já faz quase dois anos desde que essa realidade horrível se instalou na minha vida. Eu, agora, sou a que auxilia na cozinha, enquanto a minha irmã ajuda a minha mãe a cuidar das necessidades dos membros da família, na parte mais íntima da casa.
Não tivemos muita escolha quando o meu pai foi preso, deixando para trás uma dívida milionária com a máfia. Mamãe, minha irmã e eu, nos tornamos o pagamento dessa dívida. Fomos entregue a mafía.
Os latões de lixo, empurrados com esforço, fazem um barulho desagradável enquanto arrasto-os até a parte da frente da casa. Essa é a minha rotina diária agora, uma vida de servidão que antes eu jamais teria imaginado. É irônico como a vida pode dar voltas inesperadas, levando-me do luxo às tarefas mais árduas e as vezes até humilhantes, como algumas ocasiões em que a caçula da família faz eu passar. Mas, por enquanto, é o que precisamos fazer para sobreviver.
Hoje é o dia em que o filho mais velho, o Don da máfia, retorna para casa. A Cosa Nostra, a máfia italiana, valoriza muito os antigos costumes, como organizar um baile para corruptos e milicianos, então a volta do Don não poderia ser comemorada de outra forma.
Particularmente, não conheço muitos membros da família, além dos filhos que se aventuram na cozinha, com idades entre 19 e 21 anos, os quatro filhos do casal Lombardi, os dois mais velhos eu nunca vi, sei apenas os seus nomes, se é que estão certos.
Há a Melissa, egocêntrica aos 19 anos, e o Carlito, de 21 anos, um jovem mais cordial, devo acrescentar, e o mais simpático da família, e os homens de honra, como diz Alicia quando esta sonhando acordada, que são Demitri e o Don Ítalo.
Mas a questão é que hoje não posso me perder em devaneios sobre como seria minha vida se o meu pai não tivesse decidido subir na hierarquia tão rápido se envolvendo com essa gente. Agora, em vez de estar na faculdade estudando sobre animais, estou presa nesta casa, descascando cenouras e infinitas batatas. É uma vida que eu jamais teria imaginado, um destino que me foi imposto quando o meu pai perdeu o controle das suas ambições.
- Cuidado com isso, Violeta! - Alicia, a filha da cozinheira, criada na máfia desde o ventre, me repreende ao perceber que deixei a água encher demais a panela. Embora tivéssemos praticamente a mesma idade, ela parecia ter vivido umas cinco vidas nos seus vinte e poucos anos, ora uma senhora de 50 anos, ora uma adolescente apaixonada. Demitri, o filho que atuava como braço direito do seu irmão, a pegava de vez em quando. No entanto, como uma sonhadora, ela acreditava que poderia ser uma Lombardi.
Em dois anos, uma das coisas que aprendi é que homens como ele só queriam corromper pessoas da nossa classe. Nunca estaríamos à altura dos cargos de destaque na máfia, éramos subornadas, apenas um degrau da hierarquia.
- Desculpe, Alicia, não vai acontecer de novo. - A máfia tinha a sua hierarquia em todos os lugares, e cada um buscava a sua fatia do bolo, seu lugar no pedestal. Não era diferente com alguns dos funcionários.
- Se cometer um erro tosco hoje, vai você e a sua família pra vala. - Me ameaçou com a faca em riste no meu rosto. Eu já estava acostumada com essa grosseira. Engoli os chingamentos que desferia a ela na minha mente, e assenti.
Logo, ela voltou a dar ordens ao lado da sua mãe, e eu tinha quase certeza de que o máximo que ela alcançaria na hierarquia seria a substituição da sua mãe. Não era porque eu era egocêntrica ou pessimista, mas Manu, minha irmã, havia me contado algumas semanas atrás que Demitri estava noivo de alguma princesa da máfia. Mas eu não era ninguém ali, e isso não era da minha conta. Não éramos amigas, e ela teria que enfrentar o seu próprio destino. Eu tinha problemas demais para lidar na minha própria vida.
Continuei a preparar os legumes, a tarefa que me fora atribuída hoje. Haveria cerca de 400 pessoas ou mais neste evento, uma equipe de 90 funcionários foi contratada para servir a todos, juntamente com um restaurante que trabalhava em harmonia conosco.
O meu trabalho era simples, cortar e cozinhar legumes. Era fácil, nada sairia do meu controle. Lá fora, minha mãe e minha irmã estariam servindo bebidas, e se tudo corresse bem, por volta das 4 da manhã, poderíamos finalmente descansar.
Por volta das 11 da noite, a correria não havia parado e os garçons voltavam com bandejas vazias e algumas comidas expostas, alguns deles tropeçando nas bebidas e derramando líquidos no chão. As minhas mãos já não respondiam muito bem, e eu agradecia a Deus pelo fato de que, a partir daquele momento, só teríamos que servir algo leve até o final da festa.
Depois de cuidar dos legumes, passei para as panelas e pratos sujos, deixando as minhas unhas frágeis e os meus braços doloridos. A minha única alegria era saber que um sorriso banguela me esperaria em casa quando eu chegasse.
Segurei as lágrimas, enfrentando uma realidade tão dura e diferente daquela que eu havia sonhado. Mas era minha vida, e eu tinha que suportar tudo por ele.