Destino de Almas Perdidas
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Capítulo 1

Eu estou morto.

Minha alma flutua no ar, observando a cena abaixo.

É um cheiro horrível, uma mistura de ferrugem, poeira e o cheiro doce e enjoativo do meu próprio sangue.

Meu pai é um detetive particular renomado, o melhor da cidade.

Minha mãe é uma cirurgiã cardíaca de ponta, uma das mãos mais firmes do país.

Eles são um casal poderoso, respeitado por todos.

Mas agora, eles estão aqui, neste galpão abandonado, olhando para o meu corpo.

Ou o que restou dele.

Eu os observo, flutuando acima, e a memória da minha última hora de vida volta com força total.

O homem que me torturou, eu o conhecia. Ele era um antigo cliente do meu pai, um criminoso que meu pai desmascarou e mandou para a cadeia. Ele queria vingança.

E eu fui o peão no seu jogo.

Enquanto ele me machucava, ele pegou meu celular.

"Vamos ligar para o papai", ele disse com um sorriso cruel.

Ele discou o número. Meu pai atendeu.

"Alô?" a voz do meu pai soou irritada do outro lado.

O criminoso colocou o celular no meu ouvido. Eu tentei gritar, gemer, fazer qualquer som que pudesse alertá-lo. Mas minha boca estava cheia de sangue e dor.

"Quem está falando? Pare de brincadeira, eu estou ocupado!", meu pai disse, a impaciência clara em sua voz.

O torneio de futebol do Pedro.

Meu irmão adotivo, Pedro. O filho de ouro.

Eu ouvi os gritos da torcida ao fundo. Ele estava no jogo. Priorizando o jogo de Pedro.

"Seu filho está comigo", o criminoso disse calmamente.

Houve uma pausa.

"Olha aqui, seu desgraçado, se isso for mais uma das palhaçadas do Lucas, eu juro que quando ele voltar para casa...", meu pai começou a gritar.

Então, ele desligou.

O criminoso riu, um som baixo e gutural.

"Ele nem se importa, garoto. Para ele, você é só um problema."

Essas palavras doeram mais do que qualquer faca.

Agora, meu pai está aqui. Ele chegou com a equipe da polícia. Minha mãe veio logo depois, seu rosto pálido sob as luzes frias da perícia.

Eles olham para o corpo no chão. Um corpo mutilado, desfigurado.

Meu pai, o grande detetive, franze a testa.

"Que trabalho nojento. O assassino é um sádico. Queria deixar uma mensagem."

Minha mãe, a cirurgiã que lida com a vida e a morte todos os dias, vira o rosto, uma expressão de repulsa.

"Ricardo, isso é... horrível. Como alguém pode fazer isso com outra pessoa?"

Eles não me reconhecem.

Eles olham para o meu rosto quebrado, para as minhas roupas rasgadas e ensanguentadas, e não veem seu filho.

Eles veem apenas mais um caso, mais uma vítima anônima da violência da cidade.

A ironia é tão dolorosa que quase me faz rir, se eu ainda pudesse.

Meu pai se agacha, o profissional em ação. Ele não toca em nada, apenas observa.

"Múltiplas facadas. Sinais de tortura. O rosto está irreconhecível. Vamos precisar da arcada dentária ou de DNA para identificar."

Minha mãe, Helena, se afasta.

"Não consigo olhar. É desumano."

Eu quero gritar.

Sou eu! Sou eu, mãe, pai! Olhem direito!

Mas minha voz não sai. Sou apenas um espectador silencioso da minha própria tragédia.

Um dos peritos encontra minha carteira, jogada a alguns metros do corpo. Ele a abre com cuidado, usando luvas.

"Temos uma identidade. Lucas Andrade."

Meu nome.

Meu pai pega a identidade. Ele olha para a minha foto, depois para o corpo no chão, e balança a cabeça.

"Não. Não pode ser."

Minha mãe se aproxima, olhando por cima do ombro dele.

"Lucas? Nosso Lucas?"

Ela olha para o corpo novamente, o horror em seu rosto se transformando em negação.

"Não, não é ele. Nosso Lucas... ele é um delinquente, está sempre se metendo em encrenca, mas... não isso. Ele deve ter sumido de novo. Ele faz isso, ele some por dias para chamar a atenção."

Meu pai concorda, aliviado.

"Exatamente. Helena tem razão. O Lucas é um irresponsável, mas não... não isso. O corpo está muito desfigurado. Pode ser qualquer um. Alguém deve ter roubado a carteira dele."

Eles se agarram a essa ideia com uma força desesperada.

A ideia de que seu filho biológico, o "delinquente", está apenas "desaparecido".

Enquanto Pedro, o filho adotivo perfeito, o "bom filho", está seguro, marcando gols em um torneio de futebol.

Eu me lembro de uma vez, há alguns meses. Eu tinha comprado um canivete suíço. Era uma ferramenta, eu gostava de acampar, de montar coisas.

Meu pai o encontrou no meu quarto durante uma de suas "inspeções".

"O que é isso, Lucas? Andando armado agora? Quer virar bandido de vez?"

"Pai, é só uma ferramenta..."

"Não me venha com desculpas! Você está proibido de ter isso. Já não basta a vergonha que você nos faz passar?"

Ele confiscou o canivete.

Agora, olhando para o meu corpo esfaqueado, ele não consegue conectar os pontos. Na mente dele, o filho que ele imaginava que poderia usar uma faca nunca seria a vítima de uma.

A verdade está bem na frente deles, em um corpo que eles se recusam a ver.

E eu entendo, com uma clareza terrível e final.

Não há lugar para mim no coração deles. Nunca houve.

Nem mesmo o sangue que compartilhamos pode mudar isso.

Para eles, eu já estava morto há muito tempo.

            
            

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