Destino de Almas Perdidas
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Capítulo 2

Minha irmã, Camila, sempre tentou me fazer entender.

"Eles te amam, Lucas. Do jeito deles. É que... o Pedro chegou numa época em que eles precisavam de um recomeço. E você... você os lembra de um tempo difícil."

Eu nasci quando a carreira deles estava apenas começando. Eles eram jovens, ambiciosos, sempre trabalhando. Eu era um fardo, uma distração.

Pedro foi adotado anos depois, quando eles já eram bem-sucedidos, estáveis. Ele era o troféu, a prova de que eles podiam ter uma família perfeita.

Camila, a primogênita, era a jornalista observadora, sempre tentando manter a paz, sempre tentando me proteger.

Mas ela não está aqui agora. Está em uma viagem de trabalho em outro estado.

E eu estou aqui, observando meus pais analisarem a minha morte como se fosse um quebra-cabeça.

"A brutalidade é extrema", diz meu pai para um colega detetive. "Isso não foi um latrocínio. Foi pessoal. Ódio. Vingança."

Ele anda pela fábrica abandonada, seus olhos de detetive captando cada detalhe.

"O assassino conhecia o local. É isolado. Ninguém ouviria os gritos."

Minha mãe, Helena, está conversando com o médico legista. Sua voz é clínica, desprovida de emoção.

"A causa da morte provavelmente foi a perda de sangue, mas os ferimentos no rosto... foram feitos para desfigurar. Para apagar a identidade. Isso vai dificultar o trabalho de vocês."

Eles são tão bons em seus trabalhos. Tão competentes.

É uma pena que tenham falhado tanto como pais.

Eu flutuo perto deles, um fantasma em meu próprio funeral.

É quase engraçado. Eu sempre senti que dava trabalho a eles. Agora, morto, eu lhes dei o maior caso de suas carreiras.

Talvez agora eles me deem um pouco de atenção.

O celular do meu pai toca novamente. Ele olha para a tela e seu rosto se suaviza instantaneamente.

"Oi, campeão!"

É Pedro.

"Pai, nós ganhamos! Eu fiz dois gols! Onde vocês estão? A mãe não atende."

A voz de Pedro é animada, cheia de orgulho. O bom filho.

"Estamos... trabalhando, filho. Um caso complicado. Sua mãe está aqui comigo."

Meu pai olha para minha mãe, que força um sorriso para ele.

"Diga a ele que estou orgulhosa", ela sussurra.

"Sua mãe está muito orgulhosa de você, Pedro. Nós dois estamos. Escuta, vamos nos atrasar um pouco. Vá para casa com o motorista, ok? Peça o que quiser para o jantar."

A gentileza na voz do meu pai é algo que eu raramente ouvi dirigida a mim.

"E o Lucas?", pergunta Pedro. "Ele não apareceu. Tentei ligar, mas o celular dele está desligado. Aquele idiota, ele disse que vinha."

A expressão do meu pai se fecha novamente. A raiva volta.

"Não se preocupe com o Lucas. Ele deve estar por aí, fazendo suas besteiras de sempre. Quando aquele moleque aparecer, ele vai ter uma conversa séria comigo."

Desligado.

O celular está desligado porque o assassino o quebrou depois que meu pai desligou na minha cara.

Mas eles não sabem disso. Para eles, é só mais uma prova da minha irresponsabilidade.

Minha mãe suspira, passando a mão pela testa.

"Eu não sei mais o que fazer com o Lucas, Ricardo. Ele não tem jeito. Eu passo o dia inteiro salvando a vida de estranhos, mas não consigo salvar meu próprio filho de si mesmo."

Uma pontada de algo que não consigo nomear atravessa seu rosto.

"Outro dia, ele me deixou um bilhete na porta da geladeira. 'Mãe, não se esqueça de tomar suas vitaminas. Você parece cansada'. Fiquei olhando para aquele bilhete... por um longo tempo."

Por um segundo, um vislumbre de dor, de arrependimento.

Mas então ela balança a cabeça, como se para afastar o pensamento.

"E agora ele some no dia do torneio mais importante do Pedro. É de propósito, Ricardo. Para estragar o momento do irmão."

Meu pai coloca um braço em volta dos ombros dela.

"Eu sei, Helena. Eu sei. Mas não vamos deixar que ele estrague. Hoje a noite é do Pedro. Vamos focar nisso. O Lucas que se dane."

"O Lucas que se dane."

As palavras ecoam no galpão vazio.

Eu me sinto frio. Mais frio do que quando o sangue parou de correr nas minhas veias.

É um frio que vem da alma.

Eles continuam a me culpar, a me julgar, mesmo quando meu corpo está a poucos metros deles.

A preferência deles por Pedro não era apenas uma preferência.

Era uma sentença.

E eu acabei de cumprir a minha.

            
            

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