O cheiro de desinfetante inundou minhas narinas, uma lembrança dura do lugar onde eu estava.
Hospital.
Meu marido, Diogo, sentou-se na cadeira ao lado da minha cama, seu rosto uma máscara de preocupação enquanto olhava para o seu telefone.
"A cirurgia da Ana correu bem?" ele perguntou, sem levantar os olhos.
"O médico disse que sim," respondi, minha voz fraca. "Ela só precisa descansar."
Minha irmã mais nova, Ana, estava na outra cama do quarto, dormindo profundamente sob o efeito da anestesia. Ela tinha tido um ataque de apendicite aguda no meio da noite.
Foi uma noite caótica.
Diogo finalmente bloqueou o telefone e olhou para mim. Seus olhos estavam vermelhos de cansaço.
"Isso é bom. Fico feliz que ela esteja bem," ele disse, mas seu tom era distante. "Olha, Joana, eu sei que este não é o melhor momento, mas precisamos conversar."
Meu coração apertou. Eu sabia o que vinha a seguir.
"A Eva ligou," ele continuou, a menção do nome dela pairando no ar como uma nuvem de veneno. "O pai dela faleceu esta tarde. Ataque cardíaco."
Eva. Sua ex-namorada. A mulher que ele nunca esqueceu de verdade.
"Ela está sozinha agora, Joana. A mãe dela já se foi há anos. Ela não tem mais ninguém."
Eu olhei para ele, um sentimento frio se espalhando pelo meu peito. "E o que você quer que eu faça sobre isso, Diogo?"
"Eu vou para Lisboa," ele disse, as palavras saindo com uma finalidade que me atingiu como um golpe físico. "Ela precisa de mim. Eu tenho que estar lá para ela durante o funeral e para resolver as coisas."
"E quanto a nós?" minha voz tremeu, apesar de eu tentar mantê-la firme. "E quanto à sua família? Sua esposa? Sua cunhada que acabou de sair de uma cirurgia de emergência?"
A frustração tomou conta de seu rosto. "Joana, não seja assim! Você não está sozinha. Sua mãe está vindo amanhã, e a Ana vai ficar bem. Isto é diferente. A Eva está completamente desamparada."
"Ela sempre está, não é?" eu retruquei, a amargura subindo pela minha garganta. "Sempre que algo dá errado na vida dela, ela corre para você, e você larga tudo para salvá-la."
"Não é justo!" ele levantou a voz, fazendo uma enfermeira que passava olhar para nós. Ele baixou o tom, mas a raiva ainda queimava em seus olhos. "O pai dela morreu! Você tem alguma compaixão?"
"Eu tenho compaixão," eu disse baixinho. "Mas minha compaixão não se estende a deixar meu marido correr para os braços de sua ex-namorada toda vez que ela estala os dedos."
Ele se levantou, pegando sua jaqueta. A decisão já estava estampada em seu rosto.
"Eu não tenho tempo para discutir isso. O voo dela sai em três horas. Eu tenho que ir."
Ele se inclinou para me beijar na testa, mas eu me virei. Seu gesto pareceu um insulto.
"Joana..." ele suspirou, um som de puro cansaço e irritação. "Eu volto em alguns dias. Apenas... tente entender."
E com isso, ele se foi.
Eu fiquei lá, olhando para a porta fechada, o som de seus passos se afastando ecoando no corredor silencioso.
Eu olhei para a minha irmã adormecida, depois para o meu próprio reflexo na janela escura.
Entender?
Oh, eu entendia perfeitamente.
Eu entendia que eu era a esposa, mas Eva era a prioridade. Eu entendia que nosso casamento era uma conveniência para ele, enquanto o coração dele pertencia a outra pessoa.
Naquele momento, no silêncio estéril de um quarto de hospital, eu tomei uma decisão.
Quando ele voltasse, não encontraria uma esposa esperando.
Ele encontraria os papéis do divórcio.