Sofia sorriu. A vida inteira dela foi dedicada a ele, a garantir que ele tivesse todas as oportunidades que ela nunca teve. Vê-lo ali, radiante, carismático, com um futuro brilhante pela frente, fazia cada sacrifício valer a pena.
A celebração estava no auge quando a música parou de repente.
As risadas morreram. Todos se viraram para a entrada da rua, onde Carmen, a vizinha e amiga de longa data de Sofia, estava parada. Ao seu lado, o marido, Zé, um homem com o rosto marcado pelo álcool e pela preguiça. E um pouco atrás deles, encolhido na sombra, estava Pedro, o filho do casal. Pedro, com sua perna que se arrastava e os olhos que nunca encontravam os dos outros, era uma figura conhecida e frequentemente alvo das piadas cruéis das outras crianças.
"Carmen? Zé? O que vocês estão fazendo aqui? Aconteceu alguma coisa?", perguntou Sofia, limpando as mãos no avental, uma sensação estranha começando a se formar em seu estômago.
Carmen deu um passo à frente, um sorriso perverso se formando em seus lábios. Seus olhos, cheios de uma inveja que Sofia conhecia bem, passaram por cima de todos e se fixaram em Miguel.
"Aconteceu, sim, Sofia. Aconteceu que eu cansei de mentiras" , a voz dela era alta, cortante, feita para que todos ouvissem. "Eu vim buscar o que é meu".
Um silêncio pesado caiu sobre a festa. Ninguém entendia o que ela queria dizer.
Carmen apontou um dedo trêmulo para Miguel, que agora olhava para ela, confuso.
"Ele não é seu filho, Sofia. Miguel é meu filho!"
A acusação explodiu no ar como uma bomba. As pessoas ofegaram. Sofia sentiu o chão sumir sob seus pés, mas se manteve firme. Miguel ficou pálido, seu sorriso desapareceu completamente.
"O que você está dizendo, Carmen? Você enlouqueceu?" , gritou um dos vizinhos.
"Louca? Eu não estou louca!" , Carmen rebateu, sua voz subindo para um tom histérico. "Eu dei a ele a melhor vida que ele poderia ter! Com você, Sofia! Uma vida que eu não podia dar. Eu fiz isso por amor! Para que ele não acabasse como..." , ela parou e olhou com desprezo para Pedro, que se encolheu ainda mais.
Carmen então virou-se para Sofia, com um ar de desafio.
"E aquele ali", ela apontou para Pedro, com um nojo evidente, "aquele é o seu filho de verdade".
Todos os olhares se voltaram para Pedro. O menino parecia um fantasma, magro, com roupas gastas e uma cicatriz feia que descia pela bochecha. Ele tremia, assustado com a atenção repentina, e agarrou a calça do pai, que nem se moveu. A diferença entre ele e Miguel era brutal. Miguel era a personificação da saúde e da confiança, Pedro era a imagem do abandono.
Miguel olhou de Pedro para Sofia, o pânico crescendo em seus olhos.
"Mãe? Mãe, o que ela está falando? É mentira, não é?"
Sofia olhou para o rosto aterrorizado do filho que criou. Ela viu o medo, a confusão. Mas dentro dela, uma calma fria se instalou. Uma calma que vinha de um segredo guardado por quase duas décadas. Ela não estava chocada. Ela estava esperando por este dia. O olhar dela encontrou o de Carmen, e por um instante, a falsa amizade de anos se desfez, revelando apenas o ódio e a rivalidade.
Carmen, ignorando o caos que criou, caminhou em direção a Miguel, tentando forçar um sorriso maternal.
"Miguel, meu filho. Eu sou sua mãe de verdade. Eu sei que é um choque, mas eu estou aqui agora. Eu nunca deixei de te amar".
As palavras dela eram doces, mas seus olhos brilhavam com ganância. Ela queria o filho famoso, o filho de sucesso.
"Que mulher sem vergonha!", uma vizinha comentou em voz baixa.
"Fazer isso com a Sofia, depois de todos esses anos... e com o próprio filho...", disse outro, olhando com pena para Pedro.
A comunidade, que antes celebrava Miguel, agora olhava para Carmen com repulsa. A festa de despedida havia se transformado em um tribunal a céu aberto, e o veredito contra Carmen já estava sendo formado no coração de todos os presentes.