"E qual é a prova que você tem, Carmen? Depois de dezoito anos, você aparece aqui com essa história. Por que agora?"
A pergunta de Sofia foi direta. Ela sabia a resposta, mas queria que Carmen a dissesse em voz alta.
Carmen hesitou por um segundo. A máscara de mãe sofredora caiu, revelando a verdade nua e crua.
"Nós... nós estamos com umas dívidas", ela admitiu, a contragosto. "O Zé perdeu o emprego de novo, e as contas estão se acumulando".
Ela então se virou para Miguel, a voz subitamente melosa de novo.
"Miguel, meu filho, agora que você vai ganhar tanto dinheiro, você precisa ajudar sua mãe de verdade. Nós precisamos de quinhentos mil reais para pagar o que devemos. Para você, isso não é nada, não é?"
A audácia do pedido deixou todos boquiabertos.
Clara, a filha, já estava sonhando acordada.
"Quinhentos mil? Mãe, com esse dinheiro a gente pode comprar um carro novo! E eu posso comprar aquele celular que eu queria! E roupas de marca! Vamos ficar ricos!"
A ganância da família era palpável, nojenta.
Sofia soltou uma risada curta e sem humor.
"Quinhentos mil reais baseados na sua palavra? Você não tem nenhuma prova, Carmen. Nenhuma".
O desafio estava lançado. Sofia olhava para Carmen com uma confiança que começou a incomodar a vizinha.
"Prova? Prova?", Carmen gaguejou, pega de surpresa. "A gente faz um teste de DNA! É isso! Eu exijo um teste de DNA! Aí todo mundo vai ver que eu estou falando a verdade!"
"Ótimo", disse Sofia, sem hesitar. "Eu concordo. Vamos fazer o teste de DNA".
A resposta rápida de Sofia chocou a todos, inclusive Carmen e Miguel. Carmen esperava resistência, uma briga, negação. A aceitação imediata de Sofia a deixou desarmada.
Enquanto a multidão murmurava, a mente de Sofia viajou de volta no tempo. Dezoito anos atrás, na maternidade. A lembrança era nítida. Ela estava exausta após o parto, mas uma inquietação não a deixava descansar. Carmen, que deu à luz no mesmo dia, no quarto ao lado, agia de forma estranha. Ela insistia em ver o bebê de Sofia, fazia perguntas demais, seus olhos brilhavam com uma cobiça que Sofia não soube interpretar na época.
Naquela noite, uma enfermeira nova e atrapalhada trocou sem querer os berços por alguns minutos. Quando Sofia percebeu, seu coração gelou. O bebê no berço ao seu lado não parecia o seu. Havia algo diferente. Foi quando ela viu Carmen no corredor, voltando para seu quarto, com um sorriso satisfeito. Naquele instante, Sofia entendeu. O instinto de mãe gritou.
Com o coração na boca, ela esperou a enfermeira se distrair e, num ato de desespero e certeza, ela destocou os bebês. Ela pegou seu filho de volta.
Ela nunca teve cem por cento de certeza, a dúvida a corroeu por anos. Ela queria ter contado ao marido, mas ele morreu num acidente de trabalho poucos meses depois. Sozinha, ela decidiu guardar o segredo. Contar para quê? Para criar um escândalo? Para arriscar perder seu filho de novo? Ela decidiu observar. Esperar. E a forma como Carmen e Zé tratavam Pedro ao longo dos anos só confirmou suas piores suspeitas. Aquele menino doce e assustado não podia ser filho daqueles dois monstros.
Anos mais tarde, quando Miguel tinha dez anos, Sofia juntou o pouco dinheiro que tinha e fez o impossível. Ela conseguiu uma amostra de cabelo de Miguel enquanto ele dormia e uma sua. Levou para um laboratório em outra cidade e pagou por um teste de DNA. O resultado, que ela guardava em uma caixa de metal velha junto com seus documentos mais importantes, confirmou o que seu coração de mãe já sabia.
Miguel era seu filho. Biologicamente, seu.
Agora, dezoito anos depois, Carmen vinha cobrar uma dívida que não existia, baseada em um crime que ela mesma pensou ter cometido, sem saber que Sofia, em sua coragem silenciosa, a havia derrotado no mesmo instante.