Agora, via Carmen tentando abraçar Miguel, chamando-o de "filho" com uma voz falsa e açucarada. Mas seus olhos não mentiam. Eles não viam um filho perdido, viam um cheque em branco, um passaporte para a vida de luxo que ela sempre sonhou.
O pensamento do que teria acontecido com Miguel se ela não tivesse agido naquela noite na maternidade a fez estremecer. Ele teria crescido naquela casa suja, com um pai bêbado e violento e uma mãe egoísta e manipuladora. Ele teria sido como Pedro? Maltratado, negligenciado, com o espírito quebrado? O amor e o cuidado que ela deu a Miguel, que o transformaram no jovem confiante e talentoso que ele era, teriam sido negados a ele. Ele teria sido destruído.
Não, Carmen não era apenas uma mulher invejosa. Ela era um monstro. Alguém capaz de sacrificar a felicidade e o bem-estar de uma criança, do seu próprio filho, por pura ambição. Sofia sentiu uma fúria fria tomar conta de si. Ela protegeria seu filho daquele monstro, custe o que custar.
Miguel se aproximou dela, o rosto ainda pálido e confuso.
"Mãe... por que você concordou com o teste? E se... e se ela estiver falando a verdade?", a voz dele era um sussurro, cheio de medo.
Sofia segurou o rosto dele entre as mãos.
"Olhe para mim, Miguel", ela disse, com uma ternura firme. "Você é meu filho. Sempre foi e sempre será. Confie em mim. Tudo vai ficar bem".
Ela o abraçou com força. Depois, foi até sua bolsa e tirou a carteira. De dentro dela, pegou uma pequena foto, já gasta pelo tempo. Era uma foto de Miguel quando bebê.
"Olha isso", ela disse, mostrando a foto para ele. "Está vendo essa pequena mancha de nascença atrás da sua orelha? Eu tenho uma igualzinha. Seu pai também tinha. Isso é coisa da nossa família".
Miguel tocou a parte de trás da orelha, surpreso. Ele nunca havia reparado naquilo. Um pequeno alívio pareceu percorrer seu rosto.
Carmen viu a cena e zombou.
"Uma manchinha? É essa a sua prova, Sofia? Patético! Vamos deixar a ciência decidir quem está falando a verdade. Vamos para o laboratório agora!"
"Por mim, tudo bem", disse Sofia, guardando a foto.
A decisão estava tomada. As duas famílias, uma unida pelo amor e a outra pela ganância, caminharam em direção ao ponto de ônibus para ir ao centro da cidade, onde ficava o laboratório mais próximo. A comunidade inteira observava em silêncio, a festa esquecida.
No caminho, Sofia ouvia Carmen, Zé e Clara cochichando animadamente.
"Quando o dinheiro sair, a primeira coisa que eu vou fazer é dar entrada num apartamento de cobertura", dizia Carmen.
"E eu vou comprar aquela picape importada que eu vi na revista", acrescentou Zé.
"E eu vou fazer compras no shopping todo dia!", completou Clara, rindo.
Eles já dividiam o prêmio de uma vitória que só existia na cabeça deles. Sofia apenas os observava, segurando a mão de Miguel com firmeza, enquanto Pedro se arrastava silenciosamente atrás de seus pais, uma testemunha invisível da loucura de sua própria família.