Zé, o marido de Carmen, finalmente se moveu. Ele deu um passo à frente, com um sorriso debochado no rosto.
"O que foi? Estão surpresos?", ele disse, sua voz arrastada pela bebida. "A Carmen só fez o que qualquer mãe faria. Queria o melhor para o filho dela".
Ele olhou para Pedro com um desprezo que fez o estômago de Sofia revirar. A atitude dele era de total indiferença, como se o menino fosse um objeto sem valor.
Carmen, encorajada pelo marido, continuou seu discurso.
"Ele teve um pequeno acidente quando era criança, só isso. Coisa de menino", disse ela, minimizando a deficiência de Pedro com uma crueldade casual. "Mas com o Miguel, eu sabia que a Sofia cuidaria bem. E olhem só, eu estava certa! Um jogador de futebol famoso!"
Zé soltou uma gargalhada.
"Acidente? Eu disciplinei ele, isso sim. Esse moleque era teimoso, precisava aprender a obedecer", ele disse, como se estivesse se gabando de um grande feito. "Uma boa surra de vez em quando não faz mal a ninguém. Endireita a criança".
A multidão murmurou em choque. A crueldade com que eles falavam do menino era inacreditável.
Nesse momento, uma garota de uns dezesseis anos, com a mesma expressão arrogante da mãe, saiu de trás de Zé. Era Clara, a filha mais nova do casal. Ela olhou para Pedro com um sorriso maldoso.
"Ele é um aleijado chorão, isso sim. Vive se escondendo pelos cantos. Dá até vergonha de ser irmã dele", disse Clara, em voz alta o suficiente para que todos ouvissem.
A humilhação pública era completa. Pedro parecia querer ser engolido pela terra.
Foi então que um vizinho mais corajoso, Seu Antônio, que viu Pedro crescer, não se aguentou.
"Acidente? Disciplina? Aquela cicatriz no rosto dele não foi um acidente, Zé! Nós todos sabemos que foi você quem jogou uma garrafa nele naquele dia em que você chegou bêbado em casa!"
A acusação pairou no ar, pesada e horrível.
Carmen e Zé não pareceram nem um pouco abalados. Na verdade, Zé sorriu.
"E se fui eu? Ele mereceu. Tentou me impedir de dar uma lição na mãe dele. Tinha que aprender o seu lugar", disse ele, com uma naturalidade que gelou o sangue de todos.
Miguel, que até então estava paralisado, explodiu.
"Cala a boca!", ele gritou para Zé, avançando na direção dele. "Seu monstro! Como você tem coragem de falar uma coisa dessas?"
Sofia segurou o braço de Miguel, impedindo-o de fazer uma besteira.
"Que tipo de gente são vocês?", Miguel continuou, sua voz tremendo de raiva e nojo. Ele olhou de Carmen para Zé, e depois para Clara. "Vocês são doentes! Como podem tratar alguém assim? Ainda mais o... o filho de vocês?"
Os vizinhos começaram a gritar também, a indignação finalmente vencendo o choque.
"Assassinos!"
"Covardes!"
"Chamem a polícia!"
Carmen, vendo que estava perdendo o controle da situação, tentou se defender. Seu rosto se contorceu em uma máscara de ódio e inveja, direcionada a Sofia.
"Vocês não entendem! Era para ser eu! Eu que deveria ter a vida boa! Mas a Sofia... ela sempre teve tudo! Sempre com esse ar de santa, de boazinha! Eu só peguei o que era meu por direito! O direito de ter um filho de sucesso!"
Ela olhou para Miguel, seus olhos brilhando com uma loucura triunfante.
"E funcionou! Olhem para ele! Meu plano funcionou! Ele é perfeito! E tudo graças à idiota da Sofia, que o criou para mim!", ela soltou uma gargalhada alta, estridente, que ecoou pela rua silenciosa.
A risada dela era o som da mais pura maldade, a celebração de um plano egoísta que destruiu uma criança e enganou uma comunidade inteira. Naquele momento, todos entenderam que não havia um pingo de remorso no coração de Carmen, apenas a satisfação de ter conseguido o que queria, custe o que custar.