Recomeço Longe do Amor
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Capítulo 2

Uma luz forte o cegou. Havia um zumbido de conversas ao seu redor. João Carlos piscou, confuso. Onde ele estava? O cheiro de café e bolo enchia o ar.

Ele olhou para as próprias mãos. Elas pareciam mais jovens, sem as marcas do tempo e do cansaço dos últimos anos. Ele tocou o rosto. Liso. A barba por fazer de dias de luto havia desaparecido.

Ele estava sentado em uma cafeteria. Uma cafeteria que ele reconhecia. O coração dele disparou, não de alegria, mas de pânico. Ele conhecia aquele lugar. Conhecia aquela mesa. Conhecia aquela data.

Era o dia do seu primeiro encontro com Ana Clara.

A sensação de renascimento não trouxe esperança, mas sim o gosto amargo da memória. A dor da vida passada ainda estava fresca, uma ferida fantasma em sua alma. Ele se sentia como um soldado voltando da guerra, forçado a reviver o momento exato em que a batalha começou.

Ele se lembrou daquele dia com uma clareza dolorosa. Ele estava nervoso, ansioso para conhecer a mulher que seus pais descreviam como "perfeita" . E ela era. Linda, elegante, com um sorriso que prometia um futuro feliz.

Um futuro que se revelou uma mentira.

Ele fechou os olhos, e as palavras do diário dela queimaram em sua mente. "Senti-me suja quando ele me beijou." Cada lembrança de afeto, cada beijo, cada abraço, agora estava manchado por essa revelação.

A harmonia do casamento deles, a imagem de casal feliz que eles projetavam para o mundo, era uma peça de teatro bem ensaiada. Ele era o ator principal, mas o único que não sabia que estava atuando. Ela era a diretora, a roteirista e a protagonista, vivendo um drama interno do qual ele nunca fez parte.

Ele se lembrou de uma viagem de aniversário de casamento. Foram para a praia. Ele a abraçou na areia, sob o luar, e disse que a amava. Ela sorriu e disse "eu também" . Agora, ele sabia o que aquele sorriso escondia. Ele releu mentalmente uma passagem do diário escrita naquela mesma noite.

"A lua está linda. Gabriel adoraria essa vista. João Carlos disse que me ama. Eu sorri. O que mais eu poderia fazer? Às vezes, o peso dessa mentira quase me esmaga."

A dor era física. Uma pontada aguda no peito. Como ele pôde ser tão cego? Como pôde viver dez anos ao lado de uma mulher e nunca perceber o abismo que os separava?

Ele olhou ao redor da cafeteria novamente. As pessoas riam, conversavam, viviam suas vidas, alheias ao turbilhão que o consumia. Ele estava preso num loop temporal, um pesadelo do qual talvez nunca acordasse.

Mas então, um novo sentimento começou a surgir por entre as frestas da dor. Não era esperança, ainda não. Era determinação.

Ele tinha recebido uma segunda chance. Uma chance não para reconquistá-la, não para mudar o coração dela, mas para se salvar.

Ele releu mentalmente, mais uma vez, as palavras dela. As palavras que descreviam como ela se sentia diminuída por estar com ele, como cada toque dele era uma traição ao seu "amor verdadeiro" . A humilhação da vida passada se transformou em combustível para a vida presente.

Ele entendeu, com uma clareza que só a morte e o renascimento poderiam trazer, que o amor não podia ser uma via de mão única. Não era sobre sacrifício cego e dedicação inabalável a alguém que não te vê. Amor próprio. Era isso que lhe faltara. Ele se dedicou tanto a ela que esqueceu de si mesmo.

Ele não seria um substituto. Não de novo. Ele não seria o porto seguro de ninguém, o plano B, a escolha conveniente.

A porta da cafeteria se abriu, e o sininho soou.

Era ela. Ana Clara. Exatamente como ele se lembrava. Linda, etérea, com um ar de melancolia que ele antes achava charmoso, mas que agora sabia ser a marca de seu amor por outro.

Ela o viu e sorriu. O mesmo sorriso ensaiado.

Desta vez, ele não sorriu de volta.

            
            

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