A voz animada de sua mãe era uma lembrança dolorosa do quanto sua família se investiu no casamento fracassado. Na vida passada, eles amavam Ana Clara. Tratavam-na como a filha que nunca tiveram, sempre preocupados com seu bem-estar, comprando-lhe presentes, incluindo-a em todas as reuniões de família. E ela... ela apenas tolerava.
Ele se lembrou de um Natal, alguns anos após o casamento. Sua mãe, toda feliz, deu a Ana Clara um álbum de fotos da família, com um espaço reservado para as fotos do casamento deles e dos futuros filhos. Ana Clara sorriu, agradeceu educadamente, mas João Carlos encontrou o álbum meses depois, guardado numa caixa no fundo do armário, intocado. Na época, ele deu uma desculpa para si mesmo, que ela era apenas uma pessoa reservada. Agora, a verdade o esbofeteava. Ela não queria fazer parte da família dele porque, em seu coração, ela nunca fez parte nem da vida dele.
A dor por seus pais, pela bondade deles que foi recebida com indiferença, era quase tão grande quanto a sua própria.
"Mãe" , ele disse, a voz firme. "Não deu certo."
"O quê? Por quê? Aconteceu alguma coisa? Vocês brigaram?"
"Não, nada disso. Nós só... não somos compatíveis. Não era para ser."
"Mas João, vocês nem se deram uma chance! Os pais dela disseram que ela é uma moça tão boa, de família..."
"Mãe, eu não quero uma moça 'de família' " , ele a interrompeu, a frustração vazando em sua voz. "Eu quero alguém que goste de mim de verdade. Alguém que queira estar comigo, que queira fazer parte da nossa família porque ela nos ama, não porque é conveniente. Alguém que, quando eu disser 'eu te amo' , responda com o coração, e não com um roteiro."
Houve um silêncio do outro lado da linha. Sua mãe, embora confusa com a intensidade de sua reação, percebeu que algo estava diferente.
"Filho... você está bem? Você parece... zangado."
"Estou ótimo, mãe. Pela primeira vez em muito tempo. Apenas... confie em mim. Essa não era a mulher para mim."
Ele encerrou a ligação, sentindo-se esgotado, mas seguro de sua decisão. Minutos depois, seu celular vibrou novamente. Uma mensagem de um número desconhecido.
"Aqui é a Ana Clara. Não entendi o que aconteceu hoje. Fui rude de alguma forma? Se fiz algo errado, peço desculpas. Acho que deveríamos tentar conversar de novo."
Ele revirou os olhos. A tática da vítima. Fazer o outro se sentir culpado. Ele conhecia bem aquele jogo.
Ele apagou a mensagem sem responder.
Pouco tempo depois, outra mensagem chegou.
"Pelo menos me diga o porquê. Eu mereço uma explicação."
A audácia dela era impressionante. Ela merecia uma explicação? E ele? Merecia dez anos de engano?
Uma terceira mensagem.
"Tudo bem, você não precisa falar. Mas saiba que você me magoou."
Aquilo foi o suficiente. A raiva que ele vinha reprimindo transbordou. Seus dedos voaram sobre a tela. Ele não ia lhe dar a verdade completa, ela não era digna dela. Mas ele lhe daria um pedaço, o suficiente para que ela o deixasse em paz.
Ele escreveu, releu e enviou.
"Ana Clara, seja honesta consigo mesma. Seu coração já pertence a outra pessoa. Eu não tenho interesse em competir por um espaço que nunca será meu. Não sou o prêmio de consolação de ninguém. Por favor, não me contate mais. Vá atrás do que você realmente quer e me deixe fora disso."
A resposta dela demorou. Quando chegou, era curta.
"Como você sabe?"
Ele não respondeu. Apenas bloqueou o número dela. O silêncio que se seguiu foi a coisa mais gratificante que ele sentira o dia todo.