O sorriso de Ana Clara congelou por uma fração de segundo. A mão que segurava a taça de vinho tremeu levemente. Seus olhos perderam o foco, olhando para um ponto distante. Ela ficou em silêncio pelo resto da noite. Ele, na sua ingenuidade, achou que ela estava apenas cansada.
Agora ele entendia. Não era cansaço. Era desespero. O homem que ela amava estava indo embora.
Outra vez, eles cruzaram com Gabriel no supermercado. Um encontro casual. Gabriel foi educado, cumprimentou os dois, mas seus olhos só tinham foco em Ana Clara. E ela... ela se iluminou. Por um breve momento, a mulher reservada e contida que ele conhecia desapareceu, dando lugar a uma jovem vibrante, cheia de vida. A transformação durou apenas alguns segundos. Assim que Gabriel se afastou, a máscara da esposa complacente voltou ao lugar.
Todas as peças do quebra-cabeça se encaixavam agora, formando uma imagem cruel e inequívoca. Todas as alegrias dela, todas as suas tristezas, todas as suas emoções mais profundas estavam ligadas a Gabriel. Ele, João Carlos, seu marido, era apenas um espectador, um figurante na história dela. O pensamento era tão humilhante que o fez cerrar os punhos sob a mesa.
Seu coração, que antes se partira de dor, agora se enchia de uma fria e dura resolução. Ele não viveria aquela farsa novamente. Ele não passaria dez anos de sua vida sendo o guardião da infelicidade de outra pessoa. Ele não seria o vilão silencioso que a impedia de buscar sua própria felicidade, por mais distorcida que fosse.
Se ela queria Gabriel, que o tivesse. Mas ela não o teria a ele. Não desta vez.
Ana Clara caminhou até a mesa. Seu perfume suave, o mesmo que ele sentiu por dez anos em seus lençóis, agora o sufocava.
"João Carlos? Sou a Ana Clara."
Sua voz era exatamente como ele se lembrava. Suave, melodiosa, e completamente desprovida de qualquer emoção real por ele.
Ele se levantou, por educação, mas não estendeu a mão. Manteve uma distância segura.
"Eu sei quem você é."
Ela pareceu um pouco surpresa com a frieza dele, mas disfarçou rapidamente, sentando-se na cadeira à sua frente.
"Meus pais falaram muito bem de você" , ela disse, tentando iniciar uma conversa.
"Os meus também falaram de você" , ele respondeu, com a voz neutra.
Houve um silêncio constrangedor. Na vida passada, ele teria se apressado em preenchê-lo, ansioso para agradá-la, para causar uma boa impressão. Agora, ele se deleitava com o desconforto dela.
"Então..." , ela começou, "você trabalha com engenharia, certo?"
Ele a interrompeu, sem rodeios.
"Ana Clara, vou ser direto. Agradeço seu tempo em vir até aqui, mas acho que não vai dar certo entre nós."
O queixo dela caiu. O choque em seu rosto era genuíno. Era evidente que ela nunca tinha sido rejeitada de forma tão direta. Seu orgulho, a força motriz de muitas de suas ações, foi atingido em cheio.
"O quê? Nós nem conversamos ainda" , ela gaguejou, a compostura abalada.
"Não precisamos" , ele disse, calmamente. Ele pegou sua carteira e deixou dinheiro mais do que suficiente na mesa para cobrir os cafés que eles nem chegariam a pedir. "Nós simplesmente não somos compatíveis. Desejo-lhe felicidades."
Ele se virou para sair, sem olhar para trás.
"Espere!" , ela chamou, a voz misturando confusão e indignação. "Você não pode simplesmente ir embora! Me dê um motivo!"
Ele parou por um instante, mas não se virou. Ele pensou em tudo: nos diários, nos dez anos de mentiras, na dor lancinante da traição, em sua própria morte solitária. Ele poderia jogar tudo na cara dela. Mas para quê? Ela não entenderia. E, mais importante, ele não lhe devia nenhuma explicação.
"Eu não preciso de um motivo" , ele disse, por cima do ombro. "Eu apenas sei. Adeus, Ana Clara."
E com isso, ele saiu da cafeteria, deixando-a sozinha na mesa, atordoada e, pela primeira vez na vida dela em relação a ele, completamente impotente.