Sofia parou, ofendida. "Como você pode dizer isso? Eu sou sua esposa! Nosso filho morreu! Você acha que eu não estou sofrendo?"
A audácia dela era inacreditável. Ela se atrevia a falar de sofrimento, vestida em sua mentira, cheirando a luxo. Ricardo sentiu uma exaustão profunda, uma lassidão que superava até mesmo a raiva. Ele não tinha energia para brigar, para acusar, para expor a teia de enganos dela. Ele só queria que ela desaparecesse.
"Eu estou cansado, Sofia", disse ele, a voz monótona. "Só... cansado. Eu não quero conversar. Eu não quero nada. Só quero ficar sozinho."
A expressão de Sofia endureceu. A máscara de luto caiu, revelando a impaciência e o egoísmo por baixo.
"Cansado? É isso? Eu venho até aqui para te consolar, para ficarmos juntos neste momento terrível, e você me trata assim? Depois de tudo que eu faço por esta família?"
"Tudo o que você faz?", ele repetiu, um riso seco e sem alegria escapando de seus lábios. A ironia era tão espessa que ele podia prová-la.
"Sim!", ela retrucou, a voz subindo. "Eu trabalho, eu cuido da casa, eu economizo cada centavo! E é assim que você me agradece? Me empurrando e agindo como um louco?"
Ela gesticulou para a sala destruída, como se aquilo fosse uma ofensa contra ela, e não o resultado da dor que ela causou.
"Vá embora, Sofia", ele disse, simplesmente.
"O quê?"
"Vá embora", ele repetiu, olhando diretamente nos olhos dela. "Saia da minha casa."
A raiva brilhou nos olhos dela. Ela abriu a boca para argumentar, mas viu algo no rosto dele, uma finalidade fria que a fez parar. Com um bufo de indignação, ela se virou, pegou a bolsa e marchou em direção à porta.
"Ótimo! Fique aí na sua autopiedade! Quando você decidir parar de agir como uma criança, talvez eu volte!", ela gritou antes de bater a porta com força.
O silêncio que se seguiu foi uma bênção. Pela primeira vez em dias, Ricardo respirou fundo. A dor ainda estava lá, um buraco negro em seu peito, mas a presença sufocante de Sofia havia desaparecido, e com ela, a necessidade de fingir. Ele estava sozinho com sua dor, e isso, de alguma forma, era mais limpo, mais honesto.
Ele começou a arrumar a bagunça, não por organização, mas por necessidade de fazer algo com as mãos. Enquanto juntava os pedaços do troféu quebrado de Felipe, seus olhos pousaram em outro objeto na estante. Era uma medalha de prata, pesada e brilhante, de uma olimpíada de matemática estadual. Felipe ficara tão orgulhoso daquela medalha. Ele a polia toda semana.
A porta se abriu de novo. Sofia tinha voltado.
"Esqueci meu casaco", ela disse bruscamente, sem olhar para ele.
Ela pegou o casaco do encosto de uma cadeira e, ao se virar para sair, seus olhos caíram sobre a medalha na mão de Ricardo.
"Sério que você vai guardar esse treco velho?", ela disse com desdém. "Felipe ganhou isso em alguma feira de ciências da escola. Não vale nada. Joga isso fora, está só juntando poeira."
Ricardo congelou. Ele olhou da medalha para o rosto dela. Ela não tinha a menor ideia. Ela não estava no dia da premiação. Ela disse que tinha um turno extra no trabalho. Ele se lembrou de ter ido sozinho, de ter aplaudido até suas mãos doerem, do orgulho que sentiu ao ver Felipe no palco. Ela não sabia o que era aquilo. Ela não conhecia o filho deles. Ela não conhecia o valor de nada que o dinheiro não pudesse comprar.
Ele não disse uma palavra. Apenas observou enquanto ela saía e batia a porta uma segunda vez. Ele olhou para a medalha em sua mão, o metal frio contra sua pele. Era a prova. A prova final e irrefutável de que a mulher com quem ele dividiu sua vida era uma completa estranha, uma turista em sua própria família, que só aparecia para tirar fotos e depois ia embora, sem nunca realmente entender ou se importar com as pessoas que viviam ali.