Capítulo 3 Antes que Ela Sonhe

Bresser não dormia.

Não porque não quisesse, mas porque sua mente era uma prisão sem janelas, onde os séculos repetiam memórias como ecos insuportáveis.

E naquela noite - ou madrugada, ele já não sabia - havia apenas uma coisa que conseguia silenciar o passado: observar Andry Tie.

Sentado na sombra de um edifício, misturado ao concreto e à névoa, ele não precisava enxergar nitidamente para senti-la. O fio invisível entre suas almas vibrava com mais força a cada dia. Não era amor, não ainda.

Era reconhecimento.

Era o peso do destino se enrolando ao redor deles de novo.

"Ela ainda não lembra... mas o tempo já está fazendo o trabalho dele."

No terceiro andar de um prédio antigo no bairro de Belmor, Andry Tie acordava assustada - de novo.

Coração acelerado, pele suada, a garganta seca como se tivesse gritado.

Sonhara com uma floresta. Com passos entre folhas secas.

Com olhos.

Sempre os olhos.

Mas naquela manhã, o relógio a lembrava que não havia tempo para se perder em sonhos.

Andry era estudante de Letras, cursava o quinto semestre e trabalhava meio período como assistente em uma pequena biblioteca comunitária. Acordava cedo, corria para o ônibus, passava o dia cercada por livros e silêncio, e à noite estudava ou cuidava da avó - única família que lhe restara.

Era uma vida tranquila, quase comum.

Mas ela sempre soube que havia algo estranho dentro de si.

"Você tem uma alma antiga", sua avó dizia. "Olhos que já viveram muitas vidas."

Andry costumava rir disso quando era mais nova. Mas nos últimos dias... tinha começado a acreditar.

Estava mais sensível. Mais distraída.

Tocava em objetos e sentia déjà-vus dolorosos.

A biblioteca, por exemplo. Um lugar que sempre amou. Agora parecia querer lhe dizer algo.

Na última semana, ao catalogar uma coleção esquecida de livros antigos, encontrara um volume sem capa, com páginas amareladas e caligrafia estranha.

No rodapé da última página, uma frase rabiscada à mão:

"O amor é a maldição mais doce do mundo."

Ela leu aquilo quatro vezes, sem saber por quê.

Sentiu a pele arrepiar.

E uma lágrima cair - sem ter nenhuma razão para isso.

Enquanto isso, do lado de fora, Bresser acompanhava a rotina de Andry como quem assiste a um espetáculo que já viu antes... mas cujo final ainda é desconhecido.

Ele não ousava se aproximar.

Não ainda.

Havia algo sagrado no jeito como ela apertava os livros contra o peito ao sair do trabalho.

Algo dolorosamente Ashley no jeito como sorria para os idosos na biblioteca.

Mas também havia algo novo.

Andry tinha sonhos, tinha pressa, tinha alma de quem ainda acreditava nas coisas.

E Bresser sabia que isso a tornava ainda mais perigosa para ele.

"Eu não posso amá-la."

"Mas já estou começando a sentir falta dela... mesmo sem tê-la de volta."

Naquela noite, Andry voltou para casa mais cedo. A cabeça doía, os olhos ardiam.

Foi direto para o quarto e se encolheu na cama.

Um vento frio entrou pela fresta da janela.

E então ela ouviu.

Uma voz.

Baixa. Familiar.

Quase como um sussurro do vento.

"Andry..."

Ela sentou-se sobressaltada. Olhou em volta.

Nada.

Mas seu coração... sabia.

E pela primeira vez, ela sentiu medo de dormir.

Porque talvez... na próxima vez que fechasse os olhos, alguém a esperasse do outro lado.

            
            

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