Capítulo 4 Toque de Outro Tempo

A biblioteca dormia em silêncio quando Andry encontrou a caixa.

Estava escondida no fundo do porão, atrás de uma fileira de livros esquecidos, coberta de poeira e de anos. Ninguém sabia ao certo de onde ela viera - só sabiam que estava ali desde antes dela começar a trabalhar.

Curiosa como sempre, Andry puxou a tampa com cuidado. Dentro, havia manuscritos frágeis, capas rasgadas, mapas manchados por traças e tempo.

Mas o que chamou sua atenção não foi nada disso.

Era um objeto pequeno, frio e metálico, escondido entre as páginas de um livro sem capa.

Um anel.

A prata era antiga, escurecida. E no centro, uma pedra vermelha - pequena, mas intensa. O brilho dela não era comum; parecia pulsar, como se respirasse com vida própria. Andry o segurou entre os dedos e sentiu a temperatura cair ao seu redor.

Não fisicamente. Mas dentro dela.

Como se uma brisa gelada atravessasse sua alma.

Seus olhos se perderam no reflexo da pedra, e por um instante o chão pareceu tremer. Uma vertigem rápida. Um som abafado em seus ouvidos. E então, flashes. Rápidos. Quase inconscientes.

Um salão com velas acesas.

Um vestido dourado dançando ao som de violinos.

Uma mulher diante do espelho, com o mesmo anel no dedo.

Um beijo proibido.

E sangue. Muito sangue.

Ela soltou o anel como se tivesse sido picada. Caiu no chão da biblioteca, ofegante, os olhos arregalados.

Demorou alguns minutos para respirar direito.

Mas ali, sozinha entre as estantes, Andry soube: aquele anel era dela. Ou, de alguma forma... já tinha sido.

Mais tarde, na rua, a sensação não passou.

Ela desceu os degraus da biblioteca com passos curtos, o anel agora guardado no bolso do casaco. Era como se o objeto pesasse o dobro do que realmente tinha.

Andry sentia-se observada. Não por alguém específico - mas pelo próprio ar.

A noite parecia mais escura. A cidade, mais silenciosa.

Ela seguiu pela praça em direção ao ponto de ônibus, tentando ignorar o aperto no peito.

Até ouvir um barulho seco, atrás de si.

- Larga ele, agora! - alguém gritou.

Virou-se rapidamente. Dois adolescentes cercavam um senhor, o dono de uma loja de antiguidades. Um deles empurrou o velho contra a parede com violência. O outro ria.

Andry não pensou. Só correu até lá.

- Ei! Deixa ele em paz!

Os dois a encararam. Um deles deu um passo em sua direção, zombando:

- Vai se meter por quê, bonequinha?

Ela recuou. O coração disparou. Estava com medo. E então, do nada, ele apareceu.

Bresser saiu da sombra como um vulto.

Alto, envolto em um casaco escuro que se confundia com a noite, o olhar dele era uma mistura de gelo e fogo.

Ele não disse muito. Só encarou os dois rapazes com uma presença tão intensa que bastou isso para fazê-los recuar.

- Sumam. - A voz dele foi firme, sem elevar o tom.

Mas soou como uma sentença.

Os dois fugiram em silêncio, apavorados sem saber o porquê.

Andry não conseguia respirar direito.

O desconhecido estava ali, parado diante dela, com os olhos baixos. Não olhava diretamente para seu rosto - como se evitasse o olhar dela por algum motivo.

Mas sua presença era esmagadora.

- Você tá bem? - ele perguntou.

A voz dele era profunda. Rústica. Quase poética.

Ela assentiu, ainda sem palavras.

- Sim... obrigada. Eu... você me salvou.

Bresser fez um leve movimento de cabeça. Um aceno quase imperceptível.

- Às vezes passo por aqui - disse, como se isso explicasse tudo.

Andry o observou. Tinha algo errado com ele. Ou talvez certo demais.

O modo como se movia, como falava, como se encaixava no escuro...

Era como se ele não pertencesse àquele lugar.

Ou àquele tempo.

E então, por um instante, seus olhos se cruzaram.

Um segundo.

Talvez dois.

Mas dentro dela, tudo gritou.

O coração disparou com força.

As mãos tremeram.

E uma lágrima quente ameaçou escorrer, sem motivo algum.

Ela não sabia quem ele era.

Mas sabia que não era um estranho.

Não de verdade.

Bresser se virou. Não disse mais nada.

E desapareceu na névoa como se fosse feito dela.

Andry ficou ali, parada, com o anel quente no bolso.

O coração ainda corria.

O corpo tremia.

Ela sabia que algo dentro de si havia mudado.

Aquela noite não era só mais uma.

Era o começo.

De alguma coisa antiga.

De algo que estava despertando.

            
            

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