Capítulo 5 O Peso do Que Não Se Lembra

Acordou ofegante.

Não lembrava do sonho por completo, mas havia fogo, sangue... e um nome sussurrado com desespero nos ventos de um tempo que ela nunca viveu.

Ashley.

Outra vez.

O nome vinha com mais força a cada noite. E o anel - desde que o encontrara - parecia pulsar junto com seus batimentos.

Andry Tie estava começando a sentir-se estrangeira dentro da própria pele.

Ela passou a manhã com os olhos baixos, distraída no trabalho da biblioteca. Não lia com atenção. Não ouvia direito.

Quando uma senhora lhe perguntou onde estavam os livros de ocultismo, ela respondeu:

- Segunda estante à direita.

Sem nem pensar.

Sem nunca ter lido aquele catálogo.

Depois da aula, decidiu ir até o antiquário do Sr. Marius - o mesmo velho que fora atacado dias antes, quando Bresser a salvara.

Ela precisava entender.

O anel. O nome. Os sonhos.

Marius a recebeu com surpresa e gentileza. Sua loja cheirava a madeira, velharias e história.

- O que posso fazer por você, minha jovem? - perguntou, ajeitando os óculos.

Andry tirou o anel do bolso e o colocou sobre o balcão.

- Sabe algo sobre isso?

O velho empalideceu levemente.

Pegou o objeto com mãos cuidadosas e o examinou à luz da lâmpada âmbar.

- Não via um desses há muito, muito tempo... - murmurou. - Isso é obra antiga. Século XV, talvez antes. O tipo de coisa feita por mãos que... não eram comuns.

- Como assim?

Ele hesitou.

- Há histórias - disse, baixando a voz - de famílias que carregavam símbolos assim. Guardiões, caçadores, seres noturnos... Coisas que os livros chamam de lendas, mas que os antigos juravam existir.

Ela engoliu em seco.

- Isso é só uma joia antiga, certo?

- Talvez. Mas... às vezes, objetos guardam memórias. Às vezes, eles escolhem a quem voltar.

Andry saiu dali com um nó na garganta.

Ela mal notou quando passou por uma figura encapuzada na calçada oposta.

Bresser a observava de novo.

Mas dessa vez, havia algo diferente em seu rosto.

Não era só desejo.

Era pânico contido.

Ela estava se aproximando da verdade.

Mais rápido do que ele imaginava.

E o problema era: se ela lembrasse... tudo recomeçaria.

A dor. A maldição.

E a escolha.

"Eu não vou suportar ver você morrer de novo, Ashley."

Mas ela não era Ashley. Era Andry. Uma nova vida. Um novo corpo.

Mas a mesma alma.

Seus olhos se fecharam por um instante. Ele pensou em sumir dali. Sumir da cidade. Do tempo. De tudo.

E então, sentiu.

Não estavam mais sozinhos.

Nas sombras, a alguns metros dali, outra presença os observava.

Alguém que também conhecia o passado.

Alguém que queria que a maldição se cumprisse.

E não estava disposto a esperar.

Naquela noite, Andry acordou no meio da madrugada com o som de passos...

dentro do seu quarto.

Mas quando acendeu a luz -

não havia ninguém ali.

Apenas o anel, no criado-mudo.

Brilhando mais forte do que nunca.

E pulsando.

Como se estivesse vivo.

                         

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