A dor no peito era tão forte que parecia que meu coração ia parar a qualquer momento, e a cerimônia de enterro do meu pai ainda nem tinha começado. O calor do sol na favela parecia zombar da frieza que eu sentia por dentro.
Eu, Maria Eduarda, mais conhecida como Duda, estava prestes a desabar.
Meu pai, um líder comunitário amado por todos, tinha partido. E com ele, parecia que toda a minha força tinha ido embora.
Minha mãe segurou meu braço com força, seu rosto marcado pela mesma dor.
"Duda, você precisa ser forte. Pelo seu pai."
Tentei assentir, mas meus joelhos fraquejaram. O mundo girou, as vozes das pessoas se tornaram um zumbido distante e tudo ficou escuro. Eu desmaiei por causa da tristeza excessiva.
Quando acordei, eu estava em um pequeno quarto dos fundos do centro comunitário, o cheiro de café forte no ar. Minha cabeça doía. Foi então que ouvi as vozes do lado de fora da porta.
Uma delas era a de Lucas, meu namorado de infância, o homem com quem eu estava de noivado marcado.
"Eu não posso mais continuar com isso", ele disse, sua voz baixa e séria. "O pai dela morreu. A família não tem mais a mesma influência na comunidade."
Meu coração parou.
Outra voz, que eu não reconheci, respondeu: "E o que você vai fazer? A filha do deputado Amaral está esperando sua decisão. As licenças para o projeto imobiliário dependem desse casamento."
"Eu sei", respondeu Lucas, e sua voz era fria, calculista. "Vou terminar o noivado com a Duda. É um mal necessário. Vou me casar com a Clarice. Negócios são negócios."
Senti um gosto amargo na boca. Negócios. Meu pai, meu luto, nosso amor... tudo reduzido a "negócios". A dor da perda do meu pai se misturou com a queimação da traição. Parecia que eu estava sendo enterrada viva junto com ele.
Fiquei ali, deitada, imóvel. A tristeza deu lugar a uma frieza cortante. Eu não chorei. Eu não gritei. Algo dentro de mim se quebrou e se solidificou, se transformando em gelo.
Quando a porta se abriu e minha mãe entrou, seu rosto cheio de preocupação, eu já tinha tomado minha decisão.
"Filha, você está bem? Lucas estava aqui fora, mas teve que resolver um problema urgente da construtora."
"Estou bem, mãe", eu disse, minha voz surpreendentemente firme.
Ela me olhou, desconfiada. Ela me conhecia melhor do que ninguém.
"E o casamento de vocês, Duda? Com tudo isso acontecendo..."
Eu respirei fundo. Era hora de proteger o que restava da minha família e da minha dignidade.
"Mãe, eu preciso te pedir uma coisa."
"O que, minha filha?"
"Ligue para o senhor Pedro. O empresário da comunidade vizinha. Diga a ele que eu aceito a proposta de casamento dele."
Minha mãe arregalou os olhos, chocada. Pedro era um empresário de tecnologia que tinha saído de uma comunidade parecida com a nossa. Ele sempre admirou o trabalho do meu pai e o meu projeto social de moda, que empoderava as meninas da favela. Ele havia me proposto casamento há alguns meses, de forma respeitosa, dizendo que admirava não só a mim, mas os valores da minha família. Na época, eu recusei, pois amava Lucas.
"Duda, você enlouqueceu? E o Lucas?", minha mãe perguntou, confusa.
"O Lucas acabou, mãe", eu disse, e havia uma finalidade em minha voz que a fez estremecer. "Eu vou me casar com o Pedro. É o melhor para nós, para o projeto social, para honrar a memória do pai."
Eu não contei a ela o que tinha ouvido. Não queria que ela sentisse a mesma humilhação que eu. Por enquanto, essa dor seria só minha. Era um fardo que eu carregaria para proteger a mulher que já estava sofrendo tanto.
Minha mãe, vendo a determinação nos meus olhos, a mesma determinação que ela via no meu pai, apenas assentiu, as lágrimas escorrendo silenciosamente por seu rosto. Ela pegou o telefone.
Eu sabia que a batalha estava apenas começando, mas Lucas não me veria chorar. Ele me veria vencer.