Dois dias depois, eu fui ao cemitério. Precisava de um momento a sós com meu pai, longe dos olhares de pena e das conversas sussurradas da comunidade.
O sol da manhã aquecia a lápide de mármore simples. Eu coloquei um buquê de flores silvestres, as favoritas dele.
"Oi, pai", sussurrei. "As coisas estão uma bagunça por aqui. Mas eu vou dar um jeito. Eu prometo que o projeto vai continuar. Eu vou cuidar da mamãe. Eu vou ser forte."
Falar com ele, mesmo que em silêncio, me dava uma sensação de paz. Era como se eu pudesse sentir sua força me envolvendo.
Quando me levantei para ir embora, uma sombra se projetou sobre o túmulo.
Meu coração gelou. Era Lucas.
Ele estava impecavelmente vestido em um terno caro, parecendo deslocado naquele ambiente de dor simples e sincera.
"Duda, eu soube que você esteve me procurando", ele disse com um tom falsamente preocupado.
"Eu não estava te procurando, Lucas. Estava visitando meu pai."
Ele deu um passo à frente, seu rosto com uma expressão que ele provavelmente achava ser de compaixão.
"Olha, eu sei que é um momento difícil. E eu pensei muito sobre nós."
Eu apenas o encarei, esperando pela facada.
"Eu não posso me casar com você agora", ele disse, como se estivesse me fazendo um favor. "Mas isso não significa que tudo acabou. Pensei em uma alternativa. A construtora está lançando uma nova linha de design de interiores para os apartamentos de luxo. Eu quero que você seja minha parceira criativa."
Parceira criativa. A palavra ecoou na minha cabeça, cheia de insulto. Ele não estava cancelando o noivado; ele estava me oferecendo um emprego de consolação. Ele queria me manter por perto, como um acessório, enquanto se casava com outra por poder e dinheiro.
Eu dei um passo para trás, criando uma distância física entre nós.
"Não, obrigada, Lucas."
Ele franziu a testa, surpreso com a minha recusa imediata.
"Duda, não seja tola. É uma oportunidade incrível. Você teria seu próprio ateliê, recursos ilimitados..."
"Eu disse não."
Sua expressão mudou, a máscara de preocupação caiu, revelando a arrogância por baixo.
"Você está chateada, eu entendo. Mas você vai superar isso. Nós nos conhecemos desde crianças. Você não vai simplesmente me jogar fora."
"Foi você quem me jogou fora, Lucas. No dia do enterro do meu pai."
Ele ficou pálido por um segundo, talvez se perguntando como eu sabia. Mas sua arrogância voltou rapidamente.
"Isso não importa. Eu sou o herdeiro da construtora. Você é uma estilista de favela. Você precisa de mim. E eu vou te ter de volta. Por bem ou por mal, você vai voltar para mim."
Ele se aproximou, tentando segurar minha mão, mas eu a puxei de volta com força.
"Fique longe de mim."
Virei as costas e comecei a andar, meu corpo tremendo de raiva e nojo.
"Você vai se arrepender disso, Maria Eduarda!", ele gritou atrás de mim.
Enquanto eu caminhava apressadamente para fora do cemitério, passei por duas senhoras da comunidade que estavam cuidando de um túmulo próximo. Ouvi uma delas sussurrar para a outra.
"Que cara de pau. O pai da menina mal esfriou na cova e ele já está aqui, atormentando ela."
"Sempre foi um aproveitador", disse a outra. "Só estava com a Duda por causa do prestígio do pai dela. Agora que o seu Roberto se foi, ele mostra quem realmente é."
As palavras delas, embora dolorosas, foram uma confirmação. O mundo inteiro via Lucas pelo que ele era. E eu não seria sua vítima.