A dor no peito era quase insuportável, o sol castigava as vielas da favela, zombando da frieza que sentia por dentro.
Eu, Maria Eduarda, estava prestes a desabar em meio ao velório do meu pai, um líder comunitário amado por todos.
Minha mãe me segurava firme: "Duda, você precisa ser forte. Pelo seu pai."
Tentei assentir, mas meus joelhos falharam e tudo ficou escuro.
Acordei minutos depois, com cheiro forte de café e a cabeça latejando.
Foi então que ouvi, do lado de fora do quartinho, a voz do Lucas, meu noivo.
"Eu não posso mais continuar com isso. O pai dela morreu. A família não tem mais a mesma influência."
Meu coração parou.
Outra voz, desconhecida, respondeu: "E a filha do deputado Amaral? As licenças para o projeto imobiliário dependem desse casamento."
Lucas respondeu, frio e calculista: "Vou terminar o noivado com a Duda. É um mal necessário. Casarei com a Clarice. Negócios são negócios."
Meu pai, meu luto, nosso amor... tudo reduzido a "negócios".
A dor da perda paterna se misturou à queimação da traição.
Senti um gosto amargo na boca.
Deitada, imóvel, a tristeza deu lugar a uma frieza cortante, transformando-se em gelo.
Não chorei. Não gritei.
Quando minha mãe entrou, preocupada, a decisão já estava tomada.
"Mãe, ligue para o senhor Pedro. Diga a ele que eu aceito a proposta de casamento."
Minha mãe arregalou os olhos: "Duda, o Lucas?"
"O Lucas acabou, mãe."
Eu sabia que a batalha estava apenas começando, mas Lucas não me veria chorar.
Ele me veria vencer.