Contrato de Amor: Segredos e Promessas
img img Contrato de Amor: Segredos e Promessas img Capítulo 1 Pão de mel
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Capítulo 6 Preso na língua img
Capítulo 7 Quando tudo desabar img
Capítulo 8 Ele sabia onde apertar img
Capítulo 9 Sem deixar uma cicatriz img
Capítulo 10 Assina o contrato img
Capítulo 11 Clara chega à mansão img
Capítulo 12 Primeira ceia juntos: tensão, sarcasmos, atração contida img
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Contrato de Amor: Segredos e Promessas

Salej
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Capítulo 1 Pão de mel

Clara apertava o envelope pardo entre os dedos, como se aquilo pudesse mudar o que estava prestes a acontecer. O cheiro doce de pão de mel e café recém-passado impregnava o pequeno salão, misturando-se ao leve aroma de glacê de baunilha que ela ainda carregava nas mãos. Atrás do balcão de madeira gasto, tudo parecia tão familiar que era difícil acreditar que, dali a trinta dias, nada mais existiria.

Respirou fundo, sentindo o peito arder. O barulho do relógio de parede, herdado da avó, marcava cada segundo com uma precisão cruel. Ela sabia o que estava dentro daquele envelope. Já sabia desde o momento em que o entregador chegou, sem coragem de encará-la nos olhos.

- Vamos lá, Clara... -murmurou para si mesma, enquanto rasgava o lacre.

O papel deslizou para fora, pesado como chumbo. As palavras saltaram à vista como um soco: notificação de despejo. Prazo: trinta dias para quitar a dívida ou entregar as chaves. Aluguel atrasado, impostos acumulados, taxas judiciais.

O chão pareceu se abrir sob seus pés. Precisou se apoiar no balcão para não cair. Tudo o que lutou para manter vivo nos últimos três anos estava prestes a sumir, como se nunca tivesse existido.

Fechou os olhos. E, como um sussurro do passado, viu Dona Amélia outra vez. A avó estava ali, na lembrança, de avental florido, mãos firmes sovando massa na bancada de mármore. O rosto marcado pelo tempo, mas o sorriso sempre jovem.

"Clarinha, vem cá. A massa precisa de paciência, amor e uma pitada de fé. A receita nunca falha se o coração estiver no lugar certo."

Clara era só uma menina de tranças, ajoelhada em cima de um banquinho para alcançar a bancada. Sempre fascinada em ver a farinha se transformar em sonho, o açúcar virar conforto.

- Eu prometi, vó... -sussurrou, abrindo os olhos de volta à confeitaria vazia-. Prometi que ia cuidar disso aqui. E eu vou.

O barulho da porta se abrindo a tirou do transe. Um cliente? Àquela hora da tarde, quase ninguém aparecia. A sineta soou fraca, mas foi suficiente para lembrá-la de que precisava reagir.

- Boa tarde! - Clara ergueu o queixo, engolindo as lágrimas. Um sorriso treinado, mesmo que do outro lado ninguém visse a rachadura que se abria dentro dela.

Era dona Zuleide, vizinha da rua de trás. Veio buscar a encomenda do bolo de aniversário da neta.

- Olá, minha flor! -disse a senhora, apoiando a bengala no balcão-. Ainda tá de pé aqui sozinha, hein? Sua avó teria orgulho.

Aquelas palavras bateram fundo. Clara mordeu o lábio, forçando um sorriso. Pegou a caixa branca decorada com fitilho rosa e a colocou delicadamente sobre o balcão.

- Tá tudo aqui, dona Zuleide. Um quilo de puro chocolate com recheio de brigadeiro, do jeitinho que a senhora pediu.

- E o segredinho da Amélia, né? -riu a idosa, apertando a mão de Clara-. Só você pra não deixar isso morrer.

Clara segurou a mão enrugada entre as suas, sentindo o calor que tanto faltava nos últimos dias.

- Não vou deixar, dona Zuleide. Pode ter certeza.

Recebeu o pagamento em dinheiro, contou cada nota, cada moeda. Ainda assim, não passava de uma gota num balde furado. Depois que a vizinha saiu, Clara encostou a testa no balcão de mármore, fria como a realidade que a esmagava.

O telefone fixo tocou, o toque agudo ecoando no pequeno salão. Ela respirou fundo antes de atender.

- Confeitaria Martins, boa tarde!

Do outro lado, silêncio. Então uma voz masculina, seca, direta.

- Dona Clara Martins?

- Sim.

- Aqui é do escritório Albuquerque & Andrade Advogados. Estamos ligando para confirmar o recebimento da notificação de despejo -a voz era impessoal, indiferente à dor que aquelas palavras causavam-. Precisamos agendar a entrega das chaves caso a dívida não seja quitada dentro do prazo legal.

Clara sentiu a raiva subir, queimando por baixo da pele. Não era só uma notificação. Era uma sentença. E quem estava por trás daquele escritório? Todos sabiam: a empresa dona do prédio, a mesma que andava comprando imóveis na rua para derrubar tudo e construir mais um edifício de luxo.

- Eu vou pagar cada centavo -respondeu, tentando manter a voz firme-. Vocês não vão arrancar isso de mim tão fácil.

- Senhora, é seu direito tentar. Mas aconselhamos procurar um acordo. - E a linha ficou muda logo em seguida.

Clara ficou ali, segurando o telefone no ouvido, sentindo o peso do mundo esmagar seus ombros magros. Do outro lado do vidro embaçado, o letreiro antigo balançava com o vento: Confeitaria Martins - Desde 1978. Um pedaço da história da família, um pedaço dela mesma.

"Nem que eu tenha que fazer fila na rua pra vender cada brigadeiro, cada fatia de bolo, eu vou pagar essa dívida."

"Nem que eu tenha que engolir meu orgulho e pedir ajuda..."

Fechou os olhos. A imagem de Enzo Albuquerque cruzou sua mente como uma faca: terno impecável, sorriso gelado, olhos que sempre souberam onde ferir. O herdeiro de tudo isso. O homem que um dia quase foi dela - e que hoje podia assinar sua sentença de falência com uma canetada.

- Não -murmurou para o salão vazio, como se a própria avó estivesse ali ouvindo-. Eu não vou me ajoelhar pra ele. Não de novo.

Pegou a vassoura, limpou migalhas invisíveis do chão. Arrumou os potes de doce, conferiu o caixa. Um gesto pequeno, mas suficiente para lembrar a si mesma de que ainda era dona daquele lugar. Enquanto as portas estivessem abertas, ainda havia esperança.

E, por mais que o mundo tentasse dizer o contrário, Clara Martins não era mais aquela menina assustada escondida atrás do balcão. Agora era mulher -e uma mulher disposta a lutar até a última fornada.

            
            

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