Contrato de Amor: Segredos e Promessas
img img Contrato de Amor: Segredos e Promessas img Capítulo 3 Um sorriso quebrado
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Capítulo 6 Preso na língua img
Capítulo 7 Quando tudo desabar img
Capítulo 8 Ele sabia onde apertar img
Capítulo 9 Sem deixar uma cicatriz img
Capítulo 10 Assina o contrato img
Capítulo 11 Clara chega à mansão img
Capítulo 12 Primeira ceia juntos: tensão, sarcasmos, atração contida img
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Capítulo 3 Um sorriso quebrado

A luz suave da tarde caía sobre a grande fachada de vidro do café mais caro do centro. Lá dentro, homens de terno conversavam em vozes contidas, misturando palavras como ações, fusões, aquisição. Entre eles, Enzo Albuquerque parecia alheio a tudo, embora todos os olhares girassem ao redor dele como satélites em torno de um sol frio.

Sentado numa poltrona de couro, ele mexia distraído na xícara de café, sem se importar com o vapor que se dissipava. À sua frente, Lucas Viana, sócio e braço direito em algumas transações menos oficiais, falava sem parar.

- Já temos o terreno do quarteirão de cima. Só falta aquele ponto velho da padaria e fechamos o perímetro inteiro para a nova torre. Os investidores asiáticos querem tudo em contrato até o mês que vem.

Enzo ergueu o olhar, desviando-se dos números projetados no tablet que Lucas empurrava para cima da mesa. Do outro lado da rua, pela parede de vidro, ele via a confeitaria. Pequena, apertada, entre lojas que já estavam com tapumes prontos para demolição.

Ele a via - ou melhor, via ela.

Clara.

Lá estava ela, do outro lado da vitrine embaçada, limpando o balcão com um pano desgastado. A luz amarela do interior parecia envolvê-la num casulo que não combinava em nada com o concreto frio da cidade. A cada movimento, uma mecha solta escapava do coque improvisado, caindo sobre a testa franzida.

- Tá me ouvindo, Enzo? -Lucas pigarreou, impaciente-. Eu disse que, se ela não entregar as chaves, o jurídico entra com reintegração de posse. Rápido e sem barulho.

Enzo não respondeu. Continuou observando. Viu quando Clara parou, suspirou fundo e olhou ao redor como se conferisse cada detalhe daquele pedaço de mundo que se recusava a perecer. Uma mulher entrou, saiu com uma caixa de bolo nas mãos, sorrindo. Clara sorriu de volta, mas Enzo soube reconhecer: era um sorriso quebrado.

Passou a mão pelo queixo, sentindo a barba rala que insistia em crescer nos dias de reuniões longas. Por um instante, uma memória antiga atravessou sua mente: Clara rindo ao provar uma cobertura nova, Clara jogando farinha nele numa noite de sábado, Clara fugindo do toque dele, quando ainda acreditava que podia amar sem medo.

Enzo apoiou os cotovelos na mesa, ignorando o burburinho do café elegante.

- E se ela não desistir? -perguntou, sem tirar os olhos do vidro-. E se resolver brigar até o fim?

Lucas soltou uma risada curta, tirando os óculos para esfregar as têmporas.

- Enzo, por favor... ela tá sozinha. Não tem capital, não tem sócio, não tem crédito. O banco já negou tudo. É só questão de tempo. E se ela for orgulhosa demais pra sair por bem, a gente manda o oficial de justiça e pronto.

Enzo bufou, balançando a cabeça. - "Por bem..." -repetiu em voz baixa, como se provasse o gosto amargo da frase.

Lucas inclinou-se para frente, farejando algo além de negócios. - Não me diga que vai ter crise de consciência agora? Depois de tudo? A mulher quis terminar com você, lembra? Te deixou plantado naquele ponto sujo como se fosse um qualquer.

Enzo fechou a mão, um músculo pulando na mandíbula. - Eu não preciso de lição de moral, Lucas.

- Então, deixa a papelada resolver. Ela não é problema seu.

Mas era. Sempre foi. Por mais que quisesse negar, Clara era como uma farpa cravada sob a pele: invisível à distância, insuportável quando tocava fundo.

Ele viu quando ela saiu para fora da loja, carregando duas caixas de papelão. Parou na calçada, ajeitando o avental sujo de glacê, conversou com um entregador que gesticulava demais. Mesmo de longe, Enzo reconheceu aquele jeito dela: firme por fora, tremendo por dentro.

Sem pensar, empurrou a cadeira para trás, ignorando o olhar confuso de Lucas.

- Onde você vai? -perguntou o sócio, tentando segurá-lo pelo braço.

- Resolver isso do meu jeito.

Lucas soltou um riso debochado. - Cuidado pra não misturar cama com contrato, Albuquerque.

Enzo lançou um olhar que poderia congelar o café inteiro. Não respondeu. Apenas saiu, jogando algumas notas sobre a mesa, a passos largos.

Do outro lado da rua, Clara quase deixou uma das caixas cair. O entregador, apressado, não ajudou em nada - largou tudo encostado na parede e sumiu na moto barulhenta. A caixa quase escorregou, espalhando embalagens de confeitos pela calçada.

- Droga... -murmurou, tentando equilibrar tudo de novo.

- Precisa de ajuda?

A voz soou atrás dela, tão perto que Clara estremeceu antes mesmo de se virar. O cheiro de perfume amadeirado misturou-se ao ar quente da rua.

Quando se virou, viu primeiro o paletó cinza, impecável. Depois, o rosto que conhecia melhor do que queria admitir: o sorriso contido, os olhos escuros que pareciam vasculhar cada fraqueza antes mesmo que ela aparecesse.

- Enzo.

Ele sorriu, com a mesma calma de sempre. - Clarinha.

Ela sentiu vontade de rir do apelido. Não era mais Clarinha. Não era mais nada dele.

- O que você quer?

Enzo pegou uma das caixas das mãos dela, como se fosse a coisa mais natural do mundo. - Não posso ajudar uma velha amiga?

- Eu não sou sua amiga -rebateu, tentando recuperar a caixa. Ele não soltou.

Por um segundo, o toque dos dedos deles se encontrou. Foi rápido, mas suficiente para que uma corrente elétrica passasse dos olhos dele para os dela.

- Então deixa eu te ajudar como... -Ele fez uma pausa, a ponta de um sorriso se formando-. ... como credor.

Clara sentiu o estômago despencar. - Você não vai conseguir me comprar, Enzo.

Ele soltou uma risada baixa, encostando a caixa no quadril para falar mais perto. - Quem disse que eu quero te comprar?

Ela bufou, passando por ele, empurrando a porta da confeitaria. Ele entrou atrás, carregando a caixa como se fosse dono do lugar -o que, de certa forma, era.

Dentro, Enzo olhou ao redor, demorando-se no balcão, no relógio velho, no cheiro adocicado de infância que ainda resistia.

- Eu conheço cada centímetro disso aqui -disse, como se falasse consigo mesmo-. Você não mudou nada.

- E nem vou mudar -Clara pegou a caixa das mãos dele, colocou atrás do balcão, cruzou os braços-. Vai direto ao ponto, Enzo. Por que tá aqui?

Ele aproximou-se do balcão, as pontas dos dedos batucando de leve no mármore. Os olhos fixos nela, intensos, indecifráveis.

- Porque eu posso te salvar, Clara -disse, num tom tão calmo que quase soava cruel-. E porque eu sei que você não vai conseguir fazer isso sozinha.

Ela sentiu o mundo girar. Por um segundo, quis jogar o pano de prato na cara dele, expulsá-lo dali. Mas algo nos olhos dele - algo entre o desejo e o arrependimento - a fez ficar imóvel.

Do outro lado do vidro, a rua fervilhava. Mas ali dentro, só havia eles dois, presos num jogo antigo, de promessas não ditas e dívidas que nenhum contrato poderia quitar.

            
            

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