Uma para minha mãe, uma para meu pai, uma para meu irmão, Daniel. E a última, a mais importante, para Lucas, meu noivo. Eles tinham prometido. Jurado. "Estaremos na primeira fila, Sofia, aplaudindo você", minha mãe disse na noite anterior.
O cheiro de alho e vinho branco subiu da minha panela, mas eu mal senti. Um nó se formava na minha garganta. A competição começou há duas horas. Eles não viriam.
O finalista da bancada ao lado me lançou um olhar de pena. Ele viu as cadeiras vazias. Todos viram. Senti meu rosto queimar. Humilhação. Era uma sensação física, um calor que subia pelo meu pescoço.
Terminei o prato, coloquei no centro da louça branca, limpei as bordas com um pano. Estava perfeito, tecnicamente. Mas parecia sem alma. Como eu.
Enquanto esperava a minha vez de apresentar, peguei o celular discretamente. Nenhuma mensagem. Nenhuma ligação perdida. Abri o Instagram por um impulso idiota. E lá estava.
A primeira foto no meu feed.
Era Clara, minha irmã mais nova. Ela sorria, um sorriso largo e brilhante, no saguão de desembarque do aeroporto. Ao seu lado, radiantes, estavam minha mãe, meu pai e meu irmão. E atrás deles, com o braço em volta dos ombros de Clara, estava Lucas. Meu noivo.
A legenda dizia: "Finalmente em casa! Surpresa! A família toda veio me buscar, nem acredito! Melhor recepção do mundo! Amo vocês!".
A foto tinha sido postada há uma hora. Exatamente quando eu estava no auge do meu nervosismo, esperando por eles. Eles não esqueceram. Eles escolheram.
Eles escolheram Clara. Como sempre.
Senti uma vontade súbita de vomitar. Guardei o celular no bolso do avental, as mãos tremendo. Minha irmã, a favorita, voltando do seu intercâmbio de seis meses. E a família, o meu noivo, todos correram para ela, me deixando para trás no dia mais importante da minha carreira.
"Sofia, sua vez", chamou um dos organizadores.
Respirei fundo, tentando afastar a imagem da minha cabeça. Tentei ligar para minha mãe mais uma vez. Caixa postal. Tentei Lucas. O telefone chamou, chamou e caiu na caixa postal.
Deixei uma mensagem, minha voz um sussurro rouco.
"Lucas? Onde vocês estão? A competição... já está acabando."
Nenhuma resposta.
Ninguém atendeu. Ninguém se importou.
A apresentação foi um borrão. Respondi às perguntas dos jurados no automático. Eles elogiaram a técnica, mas um deles, o chef Renaud, um francês famoso, me olhou com olhos penetrantes.
"Falta paixão, mademoiselle. É um prato tecnicamente perfeito, mas frio. Onde está seu coração?"
Eu não respondi. O que eu poderia dizer? Que meu coração tinha sido pisoteado e deixado para trás no aeroporto?
Não ganhei. Fiquei em terceiro lugar. Um resultado honroso, mas que pareceu uma derrota esmagadora.
Quando finalmente cheguei em casa, horas depois, a casa estava em festa. Balões coloridos com "Bem-vinda, Clara!" flutuavam no teto. A música estava alta. Risadas ecoavam pela sala.
Eles estavam todos lá, celebrando. Clara, o centro das atenções, contava histórias animadas sobre a Europa. Lucas estava ao lado dela, rindo de algo que ela disse. Ninguém notou minha chegada.
Fiquei parada na porta, segurando o troféu de terceiro lugar, que agora parecia pesado e inútil.
Finalmente, meu pai me viu.
"Sofia! Aí está você. Já acabou seu... cursinho de culinária?"
"Era a final da maior competição do país, pai. Eu disse a vocês."
Minha mãe se aproximou, ajeitando o cabelo.
"Ah, querida, não seja dramática. Tivemos uma emergência. Clara chegou de surpresa! Você não imagina a correria. Tivemos que ir buscar nossa menina no aeroporto."
Ela disse "nossa menina" olhando para Clara com um orgulho que nunca dirigiu a mim.
"Vocês poderiam ter me avisado", minha voz saiu fraca.
"E estragar a surpresa da sua irmã? De jeito nenhum!", disse meu irmão Daniel, como se eu fosse a egoísta da história. "Além do mais, é só um concurso de comida. A família é mais importante."
Lucas finalmente veio até mim. Ele evitou meu olhar.
"Parabéns pelo terceiro lugar, Sofi. É ótimo. Olha, desculpe, a gente se enrolou todo com a chegada da Clara."
"Vocês poderiam ter vindo depois", insisti, olhando nos olhos dele, buscando um pingo de remorso.
Ele suspirou, impaciente.
"Ah, Sofia, não começa. Foi um dia longo. Estamos comemorando agora. Não estrague o clima."
Ele se afastou e voltou para o lado de Clara.
Ninguém perguntou como eu estava. Ninguém se importou com o resultado. Para eles, meu sonho, meu esforço, minha humilhação... nada daquilo importava.
Subi para o meu quarto em silêncio. A música e as risadas lá de baixo pareciam vir de outro mundo. Sentei na cama, o troféu no meu colo. Abri a gaveta do criado-mudo e peguei um caderno preto, simples.
Abri em uma página em branco. Na parte superior, escrevi a data.
Depois, escrevi: "Final do 'Jovem Talento Culinário'. Fiquei em terceiro. Ninguém da minha família ou meu noivo apareceu. Eles foram buscar a Clara no aeroporto".
Folheei as páginas anteriores. Havia dezenas de anotações como essa, cada uma marcando uma pequena ou grande decepção. Meu aniversário de 15 anos, quando eles viajaram para a Disney com Clara e me deixaram com minha avó. Minha formatura no ensino médio, onde chegaram atrasados porque Clara tinha um recital de balé "imperdível".
Fechei o caderno. Não chorei. As lágrimas pareciam ter secado há muito tempo. Havia apenas um vazio frio e uma calma assustadora. Eu sabia, com uma certeza absoluta, que algo dentro de mim havia se quebrado para sempre naquela noite.
E também sabia que algo novo estava prestes a começar.